No dia 17 de setembro, Dia Mundial da Limpeza—uma iniciativa internacional que incentiva a participação em projetos de limpeza urbana—integrantes da Rede Favela Sustentável (RFS) se uniram na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, para apoiar a Cooperativa de Reciclagem Transvida no CIEP Escola Estadual José Carlos Brandão Monteiro, para um dia focado em resíduos sólidos.
Foram realizadas oficinas sobre compostagem, produção de artesanato reciclado, jardinagem vertical, entre outras, com 113 pessoas presentes. A primeira cartilha para membros da RFS foi lançada em apoio à Cooperativa Transvida, com integrantes da rede distribuindo mais de 100 exemplares enquanto andavam pela comunidade ao final das atividades do dia.
Ilaci Oliveira Luiz abriu o intercâmbio apresentando a Cooperativa Transvida, uma iniciativa socioambiental que, como ela descreve, trabalha com a coleta e reciclagem de resíduos, garantindo aos catadores, que se encontram entre os moradores mais vulneráveis da comunidade, uma fonte mais confiável de renda.
Durante o desenvolvimento do Transvida, Ilaci percebeu que muitos dos filhos de catadores de materiais recicláveis acompanhavam seus pais para ajudar com a coleta. Então, ela fundou o Instituto Nacional Lar dos Sonhos para educar e engajar crianças de 250 famílias da Vila Cruzeiro, entre 3 e 16 anos. O objetivo dela é “mudar o rumo das próximas gerações”.
“O meu principal objetivo aqui neste trabalho é ver a construção local para poder acolher estes catadores. Porque somos catadores mas nós não temos o nosso espaço! Nem o espaço do Lar dos Sonhos… É um lar, por isso que se chama Lar dos Sonhos, mas o local é precário. Mas essa dificuldade que nós temos pode ser resolvida só com a nossa construção, isso é uma demanda de primeira! Estamos há 11, 12 anos nessa puxada… Nós somos força, foco e poder!” — Ilaci Oliveira
A emocionante abertura foi seguida do lançamento da primeira cartilha para integrantes comunitários mapeados pela RFS. Foi uma demanda da Cooperativa Transvida e foca em reciclagem, resíduos sólidos e na própria cooperativa. A cartilha—e todas as outras que serão elaboradas com integrantes da RFS—foi uma sugestão inicialmente da Ilaci, em 2021, que todos os integrantes mapeados da RFS tivessem um material impresso ligando seus projetos à rede como forma de educar a comunidade e apoiadores.
Em seguida, os jovens presentes se separaram do grupo principal para uma oficina de artesanato enquanto as lideranças comunitárias da Rede Favela Sustentável realizaram uma roda de apresentações antes de darem início às oficinas do dia.
A primeira oficina foi realizada por Dona Josefa, mobilizadora comunitária da organização Verdejar, do Complexo do Alemão. Dona Josefa apresentou os princípios básicos da compostagem. Ela misturou uma camada de terra com resíduos orgânicos de alimentos e depois cobriu com folhas, enquanto respondia às perguntas que iam surgindo. “Comida não é lixo”, explicou, “Se mais gente fizesse compostagem, haveria muito menos lixo nas ruas.”
“Temos que conscientizar as pessoas a separar todos os seus resíduos, não só os adultos, como também as crianças. Cada um deve ter responsabilidade sobre seus resíduos, que a gente chama de lixo, mas não é lixo, são resíduos!” — Dona Josefa
A Ilaci ministrou uma oficina para crianças de instrumentos musicais a partir da reutilização de alguns resíduos. Mini-garrafas PET foram personalizadas pelas crianças com pintura, adesivos, fitas, brilho e ao final preenchidas com um pouco de arroz, assim, criando uma série de chocalhos.
Um almoço diversificado, em parte produzido localmente e evitando o desperdício, foi servido por um grupo de mulheres liderado por Ana Santos do Centro de Integração da Serra da Misericórdia (CEM). Ana liderou um intercâmbio da RFS no mês passado. Após trabalhar com a diretora da escola que sediou o evento, Rachel de Lima, e merendeiras para produzir um almoço saudável e vegetariano, Ana deu início a uma roda de canto.
“No momento da cozinha, a gente primeiro está falando de uma cozinha de afeto, porque somos todas mulheres. E de uma cozinha de mais afeto ainda porque é dentro de uma escola! A alimentação escolar é a alimentação mais importante para um aluno, para um estudante que mora na favela.” — Ana Santos
Depois do almoço, Fatima de Castro Clemente, uma eco-designer e educadora ambiental que faz parte do projeto Horta Caseira na Laje, ensinou a criar uma horta com pouco espaço e dinheiro. Usando garrafas PET e um pedaço de corda, ela mostrou como temperos e verduras podem ser plantados em casa. Quando questionada sobre o que a motiva, ela disse que acredita que “o problema do Rio é o lixo,” e que “a jardinagem pode ser uma ferramenta para a educação ambiental”.
Outra voluntária, Katia Freire, ministrou uma oficina para crianças de bonecas Abayomi com retalhos de pano. Juntamente com o processo de fazer as bonecas afro, foi realizada uma contação de histórias sobre como elas surgiram. Contam os livros que mulheres escravizadas tiravam retalhos de suas próprias roupas para criar bonecas e acalentar seus filhos ou as crianças que moravam nas senzalas. A oficina trouxe o reconhecimento da história e do corpo preto junto com a reutilização de materiais, estimulando a criatividade e a alegria das crianças.
A última oficina do dia foi organizada por Valdirene Militão do Projeto Ricardo Barriga, que mostrou como criar bijuterias coloridas a partir de cápsulas de café, ilustrando como criar um empreendimento próprio a partir da reutilização do que já está disponível.
“O lixo não sai do planeta! Até porque a gente só tem um planeta e ele já está muito cheio. Então a gente precisa olhar para o que chamamos de lixo, que é aquilo que não serve para mais nada, que não dá para ser transformado em nada, e saber o que nós vamos fazer com todo esse material. O que nós podemos fazer para poder estar gerando renda? Olhar para aquilo que as pessoas chamam de lixo como potência!” — Valdirene Militão
As oficinas foram seguidas por uma discussão liderada por Fabbi Silva, coordenadora de mobilização da Casa Fluminense, uma organização metropolitana que, além de outras atividades de incidência política, mapeia a injustiça e desigualdade social no Grande Rio. Fabbi convidou os mobilizadores comunitários presentes para formarem grupos por região e discutirem problemas como a gestão de resíduos em seus respectivos territórios. Um participante falou sobre como a empresa municipal responsável pela coleta de resíduos administra mal os materiais separados pelos moradores: “As pessoas separam o seu lixo, mas quando ele é coletado é misturado de novo.” Outra liderança sugeriu a mobilização comunitária através das redes sociais, onde moradores possam discutir os problemas enfrentados pelas comunidades com relação ao lixo.
Enquanto isso, ao final do dia, uma dupla de grafiteiros—André Rongo do Museu do Graffiti e Filipin Carioca—se juntou ao evento para pintar um mural na escola. Combinando arte e reciclagem, a intervenção artística chamou atenção para o tema da reciclagem, envolvendo crianças e o espaço educacional na discussão. A arte permaneceu registrada com suas cores vivas e formas em uma parede do pátio coberto da escola: em linguagem de sinais “Rede Favela Sustentável” com a palavra “Reciclagem”.
Por fim, ao final do dia, Ilaci Oliveira conduziu os participantes do intercâmbio pela Vila Cruzeiro, onde mais de 100 cartilhas educacionais da Transvida lançadas pela manhã, foram distribuídas para os moradores. O grupo terminou o percurso na sede do Lar dos Sonhos, onde Ilaci e outros voluntários apoiam centenas de jovens da comunidade com inúmeras atividades buscando conduzi-los por melhores caminhos futuros. Lá, ela compartilhou uma reflexão sincera e emocionante sobre as crianças que a organização ajudou a entrar para a universidade e que agora trabalham para ajudar a comunidade, e outras que não puderam ter um futuro melhor devido às difíceis circunstâncias enfrentadas. Este dia havia sido inicialmente programado para o início de junho, mas precisou ser adiado em virtude da Vila Cruzeiro ter sofrido a segunda chacina policial mais letal da história do Rio de Janeiro.
Com o anoitecer chegando, o grupo fez seu caminho de volta à escola, levando reflexões sobre como o compartilhamento de conhecimentos, sensibilidades e criatividade pode promover um futuro mais justo e sustentável.
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