“Favelas na Mídia: Como a Vinda da Imprensa Global na Era dos Megaeventos Transformou a Imagem das Favelas” Relatório Lançado na Casa Pública
Na quinta, 15 de dezembro, a Comunidades Catalisadoras (ComCat), organização sem fins lucrativos que publica o RioOnWatch, lançou o seu relatório Favelas na Mídia: Como a Vinda da Imprensa Global na Era dos Megaeventos Transformou a Imagem das Favelas, um estudo sobre a representação das favelas na mídia internacional entre 2008 e 2016.
A Diretora Executiva da ComCat e Editora do RioOnWatch, Theresa Williamson, apresentou um pequeno panorama do relatório e abriu um painel dinâmico de discussão sobre o papel da mídia internacional na cobertura das favelas do Rio durante os anos pré-Olímpicos da cidade, apresentando: Raull Santiago do Coletivo Papo-Reto do Alemão; Michel Silva do jornal comunitário Fala Roça da Rocinha e contribuinte da série Visão das Favelas do The Guardian; Sandra Maria, mobilizadora da Vila Autódromo, que teve visibilidade difundida internacionalmente devido à sua remoção para os Jogos Olímpicos; Dom Phillips, correspondente do The Washington Post e contribuinte regular do The Guardian; e Leonardo Custódio, pesquisador de mídia-ativismo das favelas. O evento foi graciosamente sediado pela Casa Pública, um centro de referência para o jornalismo investigativo, localizado em Botafogo.
RioOnWatch e Outras Ferramentas para Mudar a Narrativa
Williamson começou apresentando como o RioOnWatch teve início. Abreviação para ‘Rio Olympics Neighborhood Watch,’ ou ‘Comunidades do Rio de Olho nas Olimpíadas,’ RioOnWatch pegou seu nome emprestado do conceito inglês de ‘neighborhood watch,’ um sistema comum de vigilância pela própria comunidade. O site começou como um blog colaborativo durante o curso de Uso Estratégico de Mídias Sociais da ComCat em 2010 para mobilizadores de favelas, como um blog coletivo para divulgarem as mudanças que viam acontecer no Rio pré-Olímpico do ponto de vista de suas comunidades.
Quando chegou o final de 2010 o site também estava publicando relatos de ‘observadores internacionais’ voluntários (construindo redes semelhantes às estabelecidas em Vancouver antes dos Jogos de Inverno), incluindo a documentação da primeira remoção de uma favela induzida por um megaevento no Rio.
Esses relatórios chamaram a atenção de freelancers internacionais e correspondentes globais de grandes canais, que estavam chegando ao Rio na época para cobrir os anos de preparação dos megaeventos. No início de 2011, os principais canais começaram a procurar a equipe da ComCat para contextualizar, sugerir pautas e estabelecer contatos em favelas, e a seguir o RioOnWatch para entender o contexto, e receberem atualizações e contatos.
No entanto, os membros da equipe da ComCat identificaram um lapso significativo entre a realidade das favelas do Rio e a cobertura que foi observada, particularmente de “jornalistas de paraquedas”, que chegavam por pouco tempo, mas até entre os maiores contribuintes das publicações internacionais. Representações imprecisas, desequilibradas e estigmatizantes eram comuns e jornalistas, focados em histórias específicas e prazos curtos, não sabiam o quanto suas reportagens contribuíam para um estigma global que legitimava políticas contraproducentes em relação às favelas. Em última análise, isso significou que a cobertura estigmatizante exacerbava ainda mais os problemas, o que levava a uma cobertura ainda mais estigmatizante, em uma espécie de roda implacável que mantinha comunidades marginalizadas.
A ComCat notou, então, a oportunidade apresentada pelos anos de megaeventos no Rio para melhorar a narrativa em torno das favelas, dada a maior qualidade e quantidade de cobertura que o Rio teria nesses anos. A organização então se propôs a fornecer uma série de ferramentas para acelerar as melhorias na cobertura para além do RioOnWatch, incluindo a rede de notícias da favela RioOnWire, os recursos de imprensa da Copa do Mundo e os materiais de imprensa e recursos Olímpicos para os jornalistas, analisando as melhores e as piores reportagens sobre as favelas regularmente, conferencias de imprensa alternativas, listas e mapas de contatos comunitários, “tours da realidade” e apoio individual a jornalistas realizando a cobertura no Rio, o que com o tempo resultou em centenas de matérias apoiadas ou facilitadas pela equipe da ComCat. A ComCat também acompanhou toda a cobertura internacional através de resumos mensais enviados para os emails de pesquisadores e jornalistas.
O Lançamento do Relatório ‘Favelas na Mídia’
A coordenadora de pesquisa da Comunidades Catalisadoras, Cerianne Robertson, liderou uma equipe de aproximadamente 30 voluntários durante 3 anos na pesquisa e na compilação do relatório “Favelas na Mídia: Como a Vinda da Imprensa Global na Era dos Megaeventos Transformou a Imagem das Favelas”, lançado e resumido por Williamson no evento. Todos os 1094 artigos mencionando “favela” e publicados em oito diversas grandes publicações de língua inglesa entre 2008 e 2016 foram codificados. As publicações abordadas incluíram o The New York Times, The Wall Street Journal, USA Today, The Guardian, The Daily Mail, The Telegraph, Associated Press, e Al Jazeera.
De forma geral, o estudo concluiu que a cobertura das favelas aumentou significativamente, com a maior ocorrência entre 2013 e 2014 e 2015 e 2016, os anos antes da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos de 2016. “Slum” continuou a ser a tradução mais utilizada em inglês para favela e “violência e drogas” foi a temática mais comum.
O relatório completo está disponível em português e inglês. A apresentação completa do lançamento de 15 de dezembro está disponível aqui:
Apesar da cobertura significativamente negativa das favelas ter persistido ao longo do período, a cobertura positiva aumentou e os jornalistas ficaram mais bem informados. A mídia internacional começou a citar moradores das favelas e a visibilidade de vozes de moradores aumentou 16 vezes ao longo dos oito anos. Traduções neutras de favela, como “comunidade”, aumentaram. O número de artigos retratando as favelas como fontes de cultura e lugares com um forte “sentido de comunidade” também aumentou. A questão que fica ao fim de 2016 é se essas tendências positivas nas representações das favelas vão continuar a crescer.
Entre os 1094 artigos estudados, 17 foram escritos ou co-escritos por autores das favelas, a maioria da série Visão das Favelas do The Guardian. Embora a maioria discuta a violência como parte de suas narrativas, esses artigos chamavam as favelas pelos seus nomes e foram significativamente mais propensos a se referirem às favelas como lugares com um forte senso de comunidade. A conclusão desta seção do relatório* é que os jornalistas comunitários produziram matérias com mais nuances, mais equilibradas e produtivas do que a média da amostra global, e que empregar escritores das favelas deve ser prioridade em publicações que visem melhorar a qualidade da cobertura das favelas. Um desses jornalistas comunitários foi Michel Silva, o primeiro participante do painel.
Painel Se Une Entre o Progresso na Cobertura Internacional e Necessidade de Jornalistas Comunitários Terem Voz na Grande Mídia Nacional
Silva iniciou o painel de discussão descrevendo a experiência de estabelecer o Jornal Fala Roça como local para destacar a cultura nordestina brasileira proeminente na Rocinha, num formato impresso que os moradores sem acesso à tecnologia ainda poderiam acessar. Ele e sua irmã Michele iniciaram o trabalho depois que Silva foi selecionado pelo programa de incubação empreendedora da Agência Redes para Juventude. Silva falou então sobre o processo seletivo para a série Visão das Favelas do The Guardian e como os canais de notícias brasileiros deveriam considerar seguir a liderança do The Guardian.
Para Raull Santiago, do coletivo de mídia-ativismo do Alemão, Coletivo Papo Reto, que foi abordado pela revista The New York Times Magazine em 2015, a mídia comunitária possui um papel específico: “Basicamente a gente usa a comunicação independente como ferramenta de busca e reafirmação de direitos para dentro da favela. Esse combate, que Michel também trouxe, a gente chama de Nós Por Nós. A gente tenta gerar uma comunicação que fortaleça o diálogo e a discussão, e que encoraja as pessoas dentro da comunidade a construir coisas que alimentem esse processo, a usar ferramentas para expor o que está acontecendo, para comunicar o que está acontecendo, ajudar a criar a mudança futura.”
A grande mídia brasileira, disse Santiago, “não entravam na favela, paravam na entrada e cobriam dali, enquanto dentro da favela 45 diferentes coisas (estavam acontecendo).” Essa abordagem falha na cobertura precisa de histórias porque “ao final, a narrativa oficial era o depoimento de um policial e a única verdade que ganhava visibilidade era aquela.” O pedido de Santiago aos jornalistas que venham a cobrir as favelas no futuro? Por favor, não falem apenas de violência.
O pesquisador Leonardo Custódio, de Magé, na Baixada Fluminense, realizou sua pesquisa de doutorado sobre o mídia-ativismo das favelas do Rio, pela Universidade de Tampere, na Finlândia. Ele falou a seguir sobre sua experiência na Baixada e semelhanças entre sua casa suburbana e favelas do Rio–a Baixada é cada vez mais negligenciada pelo governo e é vítima das conseqüências das Unidades de Polícia Pacificadora do Rio que têm impulsionado atividades criminosas por lá. Para Custódio, os esforços dos líderes das favelas para organizar suas comunidades oferecem modelos úteis para a Baixada. Ele também forneceu uma visão mais global sobre a mídia da favela, falando sobre a importância de compartilhar experiências e conhecimentos entre diferentes favelas.
Dom Phillips, correspondente do The Washington Post com base no Rio durante os Jogos Olímpicos e contribuinte freqüente do The Guardian, apresentou sua perspectiva enquanto repórter internacional. “Tem uma tendência aqui no Brasil de falar sobre a imprensa internacional como se fosse uma coisa só, mas não é. A gente está falando de vários países, de várias línguas, de vários perfis.” Phillip passou nove anos reportando desde o Rio, e falou sobre sua própria experiência aprendendo a cobrir as favelas. “Eu lembro de uma reunião sobre essa questão da palavra ‘slum’”, ele revelou, se referindo a uma conferência de imprensa alternativa da ComCat em 2015. “Eu também estava lá, e confesso que antes disso eu usava essa palavra sem pensar, e depois dessa reunião eu mudei.”
Sandra Maria, da Vila Autódromo, foi a última participante do painel. Sandra faz parte de uma das 20 famílias que resistiram com sucesso à remoção da Vila Autódromo, e acabou por receber uma das casas construídas para as famílias restantes. Ela falou sobre a intensa pressão que acabou por eliminar quase toda a comunidade e sobre o quão importante foi o apoio que receberam da mídia internacional. “Quando vieram os mega eventos para o Estado do Rio de Janeiro, aumentou a ameaça e a pressão de remoção da Vila Autódromo… Nossa luta foi muito cruel, injusta e desigual porque nós éramos uma pequena comunidade lutando contra o monstro econômico que é a Olimpíada.”
A mídia internacional, ela contou novamente, exerceu um papel crucial no apoio à resistência da Vila Autódromo: “Nós não tivemos o apoio da imprensa oficial [brasileira]… o apoio que nós tivemos na Vila Autódromo, de informação, mídia e visibilidade, foi da mídia internacional, foi da mídia alternativa [brasileira].” Sandra agradeceu à mídia internacional e deu a eles crédito parcial pelo sucesso da Vila Autódromo: “Com tudo isso, nós conseguimos a vitória [parcial], graças a esse apoio da imprensa internacional e da imprensa alternativa. Porque se dependesse da imprensa oficial do país… a Vila Autódromo não teria permanecido.”
E por que os moradores da Vila Autódromo lutaram tanto para superar os obstáculos e permanecer em sua comunidade? Sandra retornou ao tema do Nós Por Nós para finalizar, respondendo a essa pergunta. “Dentro da favela, [as coisas são] resolvidas por um pacto social em relação à coletividade. Um apoia o outro. Então, um vizinho toma conta do filho do outro para que essa outra possa trabalhar, e depois essa outra toma conta da filha dessa uma para poder estudar a noite. E assim a favela vai sobrevivendo, um apoiando o outro, nós por nós.”
Confira a cobertura do evento pelo Canal TVT:
*Lista Completa de Conclusões para os Meios de Comunicação que Cobrem o Rio, a Partir do Relatório “Favelas na Mídia”:
- MANTENHA a atenção. Nossos resultados mostram que a expansão das plataformas para as notícias e cobertura das favelas foi bem sucedida ao expandir estas plataformas para as vozes dos moradores de favela. A partir de diversas entrevistas com líderes comunitários após a Copa do Mundo, fica notável que estes líderes comunitários realmente apreciam a oportunidade de conversar com jornalistas internacionais e muitos sentem que a mídia internacional está trazendo um novo interesse e abordagem crítica das questões sociais para além do que existe nos meios de comunicação nacionais.
- RECONHEÇA a sua responsabilidade de fornecer uma representação equilibrada das favelas. As matérias evidentemente negativas que perpetuam os estigmas sobre as favelas continuam a superar as matérias evidentemente positivas que desafiam esses estigmas e situam os moradores como potenciais agentes de transformação positiva. Tome um momento para considerar o que a impressão subjacente do seu trabalho está criando para seus leitores e o impacto final que isso terá sobre as comunidades sobre as quais você escreve.
- BUSQUE para além da perspectiva de quem é de fora. Apesar do ponto acima, houve um afluxo de matérias durante a Copa do Mundo e no ano de preparação dos Jogos Olímpicos que eram relatos a partir da perspectiva do jornalista, sem incluir as perspectivas dos moradores das favelas e ainda uma série de outras matérias que pediram opiniões de atletas ou celebridades das favelas que mal visitaram.
- PEÇA apoio da ComCat para procurar contatos que possam fornecer perspectiva sobre
histórias relacionadas às suas comunidades. Estamos aqui para ajudar. - VARIE o tópico. A maioria das matérias que mencionam as favelas ainda se concentram em questões fundamentalmente negativas–violência, gangues, drogas, pobreza–em detrimento da moradia, das iniciativas comunitárias, da cultura, do ativismo e de uma variedade de outros temas que estão implorando maior cobertura e que podem fornecer mais compreensão para debates sobre estas questões.
- RESPONDA à crescente familiaridade internacional com a palavra “favela”, reduzindo as palavras com estigmas pesados, como “slum”, que ainda permeia mais matérias do que qualquer outra palavra alternativa para favela.
- EXPLORE as favelas além das que já recebem cobertura significativa. A ComCat está
sempre à disposição para oferecer suporte a histórias sobre favelas menos conhecidas. - EMPREGUE jornalistas comunitários para informar sobre suas próprias comunidades, e além.