ComCat Apresenta LEED-Up na Conferência Greenbuilding Brasil em São Paulo
Vale Encantado, uma favela no coração da Floresta da Tijuca, que faz parte da maior floresta urbana do mundo localizado no Alto da Boa Vista, foi o estudo de caso para demonstrar o potencial das favelas como modelos de desenvolvimento sustentável durante a conferência internacional e feira de negócios de construção sustentável Greenbuilding Brasil, realizada em São Paulo no início de agosto. O exemplo do Vale Encantado foi usado para ilustrar o potencial de sustentabilidade nas favelas e assim, de forma sustentável, ampliar as soluções em assentamentos informais por todo o mundo. E também foi o foco de um mapeamento de soluções charrette (oficina de design) entre os participantes.
Na apresentação sobre o Vale Encantado, feita pelo arquiteto Luis Felipe Vasconcellos da RVBA Arquitetos, a urbanista Theresa Williamson da Comunidades Catalisadoras e Otávio Barros, Presidente da Cooperativa Vale Encantado, foram listados e descritos os princípios de sustentabilidade naturalmente presentes nas favelas e foi explorado como que as metodologias LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) podem contribuir para urbanizá-las tanto de uma maneira sustentável quanto participativa.
LEED é o conjunto mais amplamente respeitado de sistemas de classificação para design, construção e manutenção de edifícios e bairros verdes. Elliot Allen, do Criterion Planners em Portland, EUA, liderou os esforços de aplicar as normas do LEED para bairros e é co-criador do agora reconhecido sistema de classificação LEED para desenvolvimento de bairros (LEED-ND). Foi ele quem iniciou a ideia de promover a sustentabilidade de assentamentos informais (favelas) através do LEED, introduzindo a ideia da criação de um sistema de classificação para a urbanização participativa sustentável de assentamentos informais, sistema que ele nomeou como LEED-UP (LEED for Upgrading Informal Settlements, ou LEED para a Urbanização de Assentamentos Informais).
Durante sua apresentação, Theresa Wiliamson explicou porque as favelas no Rio de Janeiro deveriam ser usadas como uma fonte de inspiração para práticas sustentáveis apesar do estigma que existe em torno desses assentamentos. O estigma associado com as favelas é manifestado em suas quatro frequentes traduções para o inglês: “Slum”, que transmite a ideia de precariedade absoluta e miséria; “shantytown”, que evoca uma aglomeração aleatória de barracos de madeira improvisados; “squatter community”, que estigmatiza os moradores por conta do processo de ocupação inicial pelo qual se estabeleceram sem direitos de ocupação; ou “ghetto”, que implica que estão isolados, marginalizados e querendo sair das comunidades. Esses termos, que encorajam o estigma, tornam o desenvolvimento destas comunidades ainda mais difícil.
Os termos não refletem a realidade das favelas cariocas, onde a vasta maioria das casas são feitas de tijolo, concreto, aço reforçado e com vários andares. Elas são construídas através de um processo aprendido por gerações, visto que o Rio foi berço do nascimento da primeira favela no Brasil, há 117 anos. Assim, essas comunidades são em boa parte consolidadas e muitas possuem ambientes altamente funcionais. Hoje a cidade tem cerca de mil favelas individuais. Devido ao atributo comum a todas as favelas–a falta de regulamentação–elas têm evoluído organicamente e por isso são todas únicas. As variedades de experiências somente nas favelas do Rio são tremendas, explica Theresa, ainda mais quando escalamos para um nível de assentamento informal global. Elas sofrem de serviços públicos insuficientes ou de baixa qualidade, como o saneamento e a infraestrutura, mas no que os moradores podem alcançar por conta própria, mostram engenhosidade. Favelas são dinâmicas, criativas e um lugar de empreendedores.
Urbanistas têm trabalhado para imitar as qualidades que já existem nas favelas por décadas. As favelas são ambientes de construções baixas e de alta densidade, orientadas para pedestres e ciclistas e com um grande uso de transporte público. As favelas promovem um uso misto do espaço, com casas em cima de lojas, por exemplo, e historicamente garantiram pequenas distâncias da casa para o trabalho. Foram construídas através de ação coletiva e crescem organicamente: sua arquitetura evoluiu de acordo com as necessidades. As favelas são também um espaço com uma rede de solidariedade intrínseca e uma produção cultural vibrante.
O Vale Encantado, é uma pequena comunidade no meio da Floresta da Tijuca. Otávio descreveu sua longa história que está intrinsecamente ligada com a floresta o que o levou a desenvolver um interesse pela ecologia. Esse interesse é manifesto no empreendedorismo da cooperativa da comunidade, que organiza caminhadas ecológicas na floresta e que montou um restaurante com biodigestão, exibindo a gastronomia local, incluindo o famoso “jacalhau” (sua própria versão do famoso prato português de bacalhau, usando jaca em conserva ao invés peixe tradicional). Uma importante fonte de alimento do Vale Encantado vem das plantas da própria comunidade. Atualmente, uma área de jardins da comunidade está sendo recuperada para produzir mais alimento saudável.
A comunidade também está recebendo iniciativas técnicas pilotos que fortalecem a sustentabilidade da favela, como painéis solares e biodigestores que reutilizam os resíduos orgânicos para prover gás para cozinhar e fertilizante para as plantas da comunidade.
O Vale Encantado é uma ótima comunidade piloto para se tornar um modelo de favela sustentável: já tem uma vocação para isso e seu pequeno tamanho faz a conquista do status de “primeira favela sustentável” viável a médio prazo. Dadas as informações e ferramentas certas, está pronta para experimentar estratégias locais que favelas maiores poderão aplicar no futuro.
O Vale Encantado, como todas as favelas, sofre com a falta de infraestrutura e serviços públicos. Historicamente, as favelas do Rio visam mudar isso por pedidos ao governo para atender essas necessidades. Entretanto, mesmo nas comunidades em que serviços públicos são eventualmente providos, a qualidade deles é universalmente baixa e de manutenção problemática. Isso para não mencionar que os serviços que são providos são parte de um sistema formal, sistema que–em uma cidade onde o esgoto é jogado no oceano, sendo das favelas ou não–é geralmente insustentável.
Foi explicado então na conferência como que o LEED-UP (LEED para a Urbanização de Assentos Informais) poderia gerar melhorias às favelas, promovendo esses serviços públicos que faltam com uma boa qualidade, liderados pela comunidade e de forma sustentável. A criação de empregos também é intrínseca ao modelo do LEED-UP.
Como projetado por Allen, LEED-UP é movido pela comunidade, possuindo líderes e moradores interessados em começar o processo identificando suas prioridades entre a lista, que inclui moradia, energia, comunicação, saneamento, alimentos, espaços comuns, educação, saúde, resíduos sólidos, acesso, mobilidade, recuperação e resiliência, e água. Uma vez que as prioridades são definidas por meio de um processo em que a comunidade participa, parceiros técnicos ajudam a selecionar e adaptar as estratégias do LEED para ir de encontro com as necessidades mais aclamadas pela população. Elas são então analisadas para ver as soluções que oferecem o maior potencial de geração de emprego e as ações que podem ser tomadas são identificadas. Por fim, os parceiros de LEED que podem ajudar a assegurar esses investimentos são recrutados.
Após a apresentação, os participantes da Conferência Greenbuilding foram convidados a participar de uma charrette (oficina de design) dinâmica em torno de mesas, com mapas detalhados e diagnósticos da comunidade. Foram convidados para atuar como consultores, com base em seus conhecimentos das metodologias e tecnologias LEED. Profissionais internacionais da construção verde discutiram soluções possíveis e novas ideias para as áreas de saneamento, energia, telecomunicações e lazer, inspirando-se em práticas que poderiam ser adaptadas ao contexto do Vale Encantado.
Os participantes sugeriram então a criação de uma “máquina viva”, onde os processos naturais e das plantas limpam águas residuais. O Rio de Janeiro tem problemas graves de tratamento de esgoto, e o Vale Encantado poderia ser rum exemplo neste domínio.
Sugeriram também uma tirolesa e arvorismo na floresta do Vale Encantado, um espaço de lazer diferente das convencionais áreas de lazer urbanas. Isso seria único para a comunidade e trabalharia com as qualidades naturais ao invés de promover infraestrutura urbana para as crianças que é menos apropriada para o local.
Sugestões também foram feitas para uma melhor drenagem, coleta de resíduos sólidos e sistemas de geração de energia.
Na discussão que se seguiu, foi descoberto que a comunidade já estava trabalhando na implementação de vários dos projetos sugeridos, com a charrette oferecendo novas ideias e confirmando o caminho atual dos moradores.
Francisca Rojas, Urbanista de Desenvolvimento e especialista no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Buenos Aires, participou da charrette. Ela resumiu a sessão que disse que a trouxe para a conferência:
“O potencial existe para melhorar a qualidade de vida em moradias informais por meio da introdução de uma consciência mais ambiental, estrategias de desenvolvimento de baixo impacto, como infraestruturas verdes e agricultura urbana, que podem melhorar a resiliência do local em face aos riscos naturais, como inundações e deslizamentos de terra. Uma grande oportunidade existe para repensar os programas de urbanização onde infraestruturas convencionais, como pavimento das ruas e sistema de drenagem, podem ser modificadas para incorporar intervenções mais sustentáveis que trabalham com sistemas naturais, como pavimentação permeável, bioswales, jardins de chuva, etc. Isso vai requerer uma mudança de paradigma no modelo de urbanização convencional, onde as intervenções são adaptadas às condições locais e os moradores participam ativamente tanto no design quanto na manutenção do sistema de infraestrutura verde.”
Rojas explicou que no BID, “a conversa está começando a mudar, considerando as estratégias verdes de desenvolvimento urbano em programas de urbanização, com a esperança de levar a cabo os projetos pilotos” para começar a testar algumas dessas ideias.
Theresa Williamson espera que essa conferência seja o início de uma conversa que faísque “um reconhecimento crescente do papel dos assentamentos informais em uma urbanização sustentável mundial” e de um diálogo de “como integrar essas comunidades, saltando a fase associada ao desenvolvimento industrial de grandes obras e indo direto à programas de infraestrutura verde para a escala comunitária, que possibilitem a geração de empregos locais enquanto garantindo o desenvolvimento local com impacto ambiental reduzido dramaticamente.”
Em 2050 está projetado pela ONU que um terço da humanidade viva em moradias informais: o crescimento da população mundial se dará nas favelas do mundo nas próximas décadas, e não em áreas rurais ou em partes formais das cidades.
Muitas das favelas do Rio de Janeiro têm uma longa história e são bem desenvolvidas. Além disso há muito potencial para dar início à estratégias sustentáveis em um lugar como o Vale Encantado e, a partir daí, usá-las como um exemplo no Rio e em todo o mundo.