Lançamento da Rede Favela Sustentável no Rio de Janeiro Fortalece Mais de 130 Pessoas e Promove Resiliência Coletiva
A Rede Favela Sustentável (RFS) é um projeto da Comunidades Catalisadoras (ComCat) desenhado para construir redes de solidariedade, dar visibilidade, e desenvolver ações conjuntas que apoiem a expansão de iniciativas comunitárias que fortalecem a sustentabilidade ambiental e a resiliência social em favelas de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. O projeto começou em 2012 com a produção do filme Favela como Modelo Sustentável, tendo continuidade em 2017, quando foram mapeadas 111 iniciativas sustentáveis e foi publicado um relatório final que analisa os resultados.
Em 2018 o projeto realizou uma série de intercâmbios entre oito das mais duradouras e estabelecidas iniciativas que foram mapeadas na Rede Favela Sustentável (uma delas é o tema desta matéria), e em seguida foi realizado, no dia 10 de novembro, um dia inteiro de intercâmbio com toda a Rede Favela Sustentável. As oito iniciativas participantes dos intercâmbios, em campo, apresentadas nesta série incluem seis iniciativas comunitárias, sendo elas: a Cooperativa Vale Encantado no Alto da Boa Vista, o Ecco Vida em Honório Gurgel, o Verdejar no Engenho da Rainha e Complexo do Alemão, o Quilombo do Camorim em Jacarepaguá, o ReciclAção no Morro dos Prazeres, e a Eco Rede do Alfazendo na Cidade de Deus. Além disso, os integrantes dos intercâmbios visitaram duas iniciativas com foco além das favelas, com vasta experiência em sustentabilidade, sendo elas: a Onda Verde em Nova Iguaçu e o Ecomuseu de Sepetiba. Os intercâmbios têm apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil.
Assista ao vídeo que acompanha os intercâmbios apresentados nesta série clicando aqui.
Lançamento da Rede Favela Sustentável
“Cada um de nós tem uma missão… Juntos, somos mais fortes”, declarou Adilson Almeida, fundador da Associação Cultural Quilombo do Camorim (ACUQCA)—uma das agora mais de 120 iniciativas de sustentabilidade e resiliência mapeadas pela Rede Favela Sustentável (RFS) no Rio de Janeiro. “Temos sempre que resistir, lutar e nunca desistir.”
Adilson compartilhou esses pensamentos com mais de 130 mobilizadores comunitários e aliados, congregando-se pela primeira vez para o lançamento formal da RFS. A reunião, ocorrida no dia 10 de novembro na Fundação Escola da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ), foi um dia tanto de trabalho como de festividade—os participantes se agregaram não apenas para trocar ideias, estratégias e experiências, mas também para celebrar a força na solidariedade e a determinação dos moradores de favela ao enfrentar desafios que estão diante de suas comunidades.
Da Baixada Fluminense à Cidade de Deus, participantes vieram de toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro para participar do lançamento do evento. Mais da metade dos presentes era de mulheres. Moradores da favela, que compunham uma maioria, se juntaram a pesquisadores e aliados técnicos que trabalham com iniciativas focadas em sustentabilidade tanto dentro como fora das favelas.
Pontapé Inicial
O dia se iniciou com uma sessão plenária, durante a qual a diretora da Comunidades Catalisadoras (ComCat), Theresa Williamson anunciou a programação do dia. O foco estava em encontrar um ao outro e trocar ideias através de diversas rodas de conversa, além de nos reconhecermos como parte de um movimento latente, que agora brota, de sustentabilidade pelas favelas da cidade. Theresa descreveu a jornada que levou ao lançamento da RFS, começando com uma explicação sobre o desenvolvimento comunitário baseado em ativos. Com o passar dos anos, a ComCat tem apoiado iniciativas de sustentabilidade em favelas de formas diversas, da produção do filme Favela como Modelo Sustentável à avaliação da Asa Branca como um bairro sustentável. Por meio desses esforços, a ComCat pôde conhecer numerosas iniciativas que pintavam uma imagem bem diferente do que são as favelas e de como poderiam se desenvolver.
Nos meses que antecederam o evento de lançamento, a ComCat organizou intercâmbios extensivos entre oito das iniciativas sustentáveis mais estabelecidas no Grande Rio: a Onda Verde em Nova Iguaçu, a Cooperativa Vale Encantado no Alto da Boa Vista, o ReciclAção no Morro dos Prazeres, o Verdejar no Engenho da Rainha, o Ecco Vida em Honório Gurgel, o Quilombo do Camorim em Jacarepaguá, a Eco Rede do Alfazendo na Cidade de Deus e o Ecomuseu de Sepetiba em Sepetiba. Em colaboração com a produtora Luiza de Andrade, a ComCat produziu o curta-metragem Tecendo a Rede Favela Sustentável, que foi exibido no evento de lançamento:
Em seguida a uma salva de palmas, participantes dos intercâmbios extensivos apresentados no vídeo vieram à frente para falar de suas experiências. Bianca Wild, do Ecomuseu de Sepetiba, compartilhou que os intercâmbios foram um diálogo indescritível de experiências e de conhecimento. Gratidão, solidariedade e otimismo foram temas comuns que emergiram nas experiências partilhadas. Representantes expressaram seus agradecimentos por estarem envolvidos e enfatizaram a necessidade, para comunidades, de trabalharem em conjunto no futuro. Representantes de diferentes projetos deram as mãos enquanto um participante gritou “Ninguém solta a mão de ninguém!”—uma frase que, para muitos, tornou-se um slogan para demonstrar solidariedade no despertar das eleições de outubro.
Depois da apresentação do filme e das reflexões por seus protagonistas, Maria Lucia Pontes, uma defensora pública que trabalha na defesa de favelas ameaçadas de remoção, no Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, explicou porque a sustentabilidade é um elemento chave da defesa jurídica. Os argumentos mais comuns usados por autoridades para justificar despejos utilizam questões ambientais como pretexto: os argumentos feitos são de que favelas ocupam áreas de risco de deslizamento de terra, ou que elas danificam o ambiente ao gerar lixo ou degradar a floresta. Pontes explicou que o argumento sobre dano ambiental é geralmente falso, mas que é difícil contestar essas alegações em um curto período de tempo de forma a proteger das ameaças de remoção. Ao fazer projetos e práticas sustentáveis visíveis, Pontes argumentou, a RFS é de importância crucial para defender o direito à terra.
Rodas de Conversa por Maturidade do Projeto
A primeira roda de conversa do dia envolveu a formação de grupos baseados na maturidade dos projetos, variando da fase da ideia à de iniciativas que têm mais de vinte anos de existência. Isso deu a todos os presentes a oportunidade de se apresentarem para seus colegas. O objetivo era de que organizadores pudessem conhecer iniciativas que existem há um período de tempo semelhante ao de suas próprias organizações, construir conexões e compartilhar experiências sobre suas trajetórias e desafios. Foi pedido a cada representante para se apresentar e apresentar sua iniciativa, e para descrever seus objetivos para o ano que está por vir.
O grupo com projetos mais estabelecidos incluía diversos representantes das iniciativas apresentadas no filme Tecendo a Rede Favela Sustentável. A discussão focou na resiliência diante dos desafios—por exemplo, desenvolvendo um tipo de economia solidária na ausência do apoio pelas autoridades e gerando meios de existência para evitar que jovens se envolvam com as drogas e o crime. Otávio Barros disse que não recebe ganhos financeiros através de sua iniciativa, a Cooperativa Vale Encantado, mas que sente gratidão, satisfação e alegria em viver na comunidade em que foi criado e em realizar o trabalho que precisa ser feito.
Cada projeto trouxe um conjunto único de abordagens e prioridades. Jay Van Amstel, engenheiro ambiental do Instituto Ambiente em Movimento (IAM), disse haver uma necessidade de dados e indicadores para apontar ações ambientais. Rodrigo Morelato, do Verdejar, falou sobre seu trabalho unindo pessoas envolvidas em agricultura urbana e seus esforços para criar uma forma de marca em comum para que essas iniciativas sejam reconhecidas. Edson Freitas, fundador da EccoVida, advertiu contra o descarte de materiais recicláveis que podem ser usados para gerar meios de subsistência e sugeriu que deveria haver sinergia entre sua iniciativa de reciclagem e os projetos que trabalham para criar e vender produtos reciclados/reaproveitados. Outros falaram sobre o valor do trabalho intergeracional e do desenvolvimento de projetos até mesmo em comunidades pequenas.
1ª Roda de Conversa por Tema de Demanda
O segundo arranjo de rodas de conversa foi composto de sete grupos temáticos, baseados na especialidade das comunidades presentes: energia renovável, esgoto, educação ambiental, mobilização da comunidade, resgate da memória e preservação cultural, e resistência e resiliência na luta e na reconstrução. Cada grupo foi liderado por um membro de iniciativa da RFS com extensa experiência na área. Os participantes se organizaram em grupos baseados naquela área que acreditavam ser mais crítica para suas respectivas comunidades.
Enquanto todos os participantes eram encorajados a comentar, questionar e ser críticos, cada grupo teve uma abordagem diferente para a discussão. Alguns grupos se engajaram em discussões de mesa-redonda deixadas em aberto, ao passo que outros adentraram tópicos sobre sustentabilidade a partir de uma perspectiva técnica. O grupo focado no desafio do esgoto e saneamento, guiado por três engenheiros ambientais do Instituto Ambiente em Movimento (IAM)—Tito Cals, Leonardo Adler e Jay Van Amstel—se aproximou mais desta última abordagem. Os engenheiros apresentaram cuidadosamente opções de tecnologia alternativa e pediram aos participantes para preencherem um formulário refletindo a respeito das necessidades de saneamento de suas comunidades. Alguns participantes representaram iniciativas que já lidavam com questões de saneamento, como a Onda Verde, enquanto outros vieram de comunidades que poderiam se beneficiar com uma nova abordagem para a gestão de esgoto.
Ao longo dos últimos anos, o IAM tem trabalhado com a Cooperativa Vale Encantado para desenvolver um sistema de esgoto sustentável em sua comunidade, uma pequena favela aninhada profundamente nas colinas verdejantes do Alto da Boa Vista, cercada pela Floresta da Tijuca do Rio. Sem tratamento formal de esgoto (como é comum pela cidade, seja em favelas ou não), o Vale Encantado é agora o lar de um par de biodigestores—grandes tanques nos quais o lixo orgânico é delapidado por microorganismos que se formam naturalmente. Um dos biodigestores do Vale Encantado filtra o esgoto, enquanto o outro decompõe restos de comida. Ambos produzem biogás, que é usado para alimentar os fogões do restaurante do Vale Encantado, gerenciado pela cooperativa, e casas de moradores.
Os representantes do IAM apresentaram diversos sistemas sustentáveis de esgoto que foram implementados com sucesso pelo mundo, desde um vermifiltro (que usa minhocas decompositoras para filtrar o lixo) a pequenas “ilhas flutuantes” em rios, que utilizam plantas como filtros naturais para capturar contaminantes ambientalmente destrutivos. O time detalhou tanto os benefícios como as limitações de tecnologias de esgoto sustentáveis e reconheceu que, em alguns casos, métodos mais convencionais fazem mais sentido. “[Biodigestores] podem ser conectados a casas individuais, mas, geralmente, a relação de custo-benefício é melhor para coletivos [como o Vale Encantado]”, explicou Leonardo.
Enquanto o grupo discutia os desafios de redimensionar essas tecnologias em favelas maiores, como a Rocinha, alguns participantes enxergavam paralelos e o potencial para uso em suas próprias comunidades: “Isso [a discussão] chamou minha atenção para a dificuldade de comunidades entenderem a importância do saneamento básico”, comentou Gerusa Vanderlei, da Onda Verde. Em referência a uma foto de um bairro ribeirinho que utiliza as ilhas flutuantes para filtras os despejos, Gerusa observou: “Quando vi esta foto, eu percebi que a casa é quase igual à minha”.
2ª Roda de Conversa por Tema de Demanda
Depois de um almoço coletivo que serviu refeições preparadas especialmente pela cozinha da ocupação Manoel Congo, no Centro do Rio, os participantes novamente se organizaram pelos temas que consideravam ser os mais importantes para suas comunidades, porém uma nova série: esverdeando e água (reflorestamento, hortas e arborização), geração de renda, lixo e reciclagem, segurança fundiária sustentável, e saúde física e mental. No primeiro grupo, a conversa evocou discussões sobre desigualdade—por exemplo, o fato de que a Zona Sul, mais rica, é a última a ser afetada por escassez de água—mas também soluções, como coleta de água da chuva em telhados e a incorporação de espaços verdes em ambientes urbanos densos. Uma moradora da Vila Kennedy sugeriu a abordagem de desafios urbanos e ambientais perguntando: “Qual é o potencial da minha comunidade?”—uma perspectiva que ecoa os princípios básicos do desenvolvimento comunitário baseado em ativos.
Diante de “políticas públicas que não levam em consideração o povo [das favelas]”, participantes envolvidos na economia solidária reforçaram a necessidade de meios alternativos de organização. Clarice Cavalcante, da Devas—Artesãs da Maré, enfatizou seu desejo de “integrar sistemas, alcançar mais pessoas e aumentar o número de participantes”. Ela sugeriu a ideia de “mapear quem são as artesãs, o que fazem e do que precisam”.
Rodas de Conversa por Tema de Ação
A roda de conversa final foi organizada de acordo com o tema que mais ressoava com o trabalho de cada participante em sua respectiva comunidade e foi baseada nos temas identificados no curso de pesquisas anteriores e, em especial, nas atividades e interações prévias do dia. Ela apresentou um arranjo de grupos semelhante, embora mais preciso—água, reflorestamento e jardins; energia renovável; geração de renda; esgoto e saneamento; lixo, reciclagem e reaproveitamento; educação ambiental e capacitação; e resgate da memória/preservação cultural. Os participantes em cada grupo foram encorajados a proporem três ações para a Rede Favela Sustentável acatar, em 2019, em apoio a seus tópicos.
Por exemplo, membros do grupo de educação e capacitação sugeriram o mapeamento de quais tipos de treinamento são necessários, identificando o que moradores de favela podem oferecer e estrategicamente planejando como dar continuidade às iniciativas de treinamento. Membros do grupo resgate da memória/preservação cultural sugeriram que a RFS facilitasse o acesso à informação e ao apoio técnico de parceiros nacionais e internacionais, conferindo visibilidade aos movimentos e às resistências, bem como encorajando conexões entre diferentes temas e pessoas.
Próximos Passos
O sucesso final da Rede Favela Sustentável será medido por sua capacidade de fortalecer as iniciativas de seus membros, apoiar o desenvolvimento de soluções sustentáveis com a possibilidade de implementação prática e escalabilidade, e impulsionar uma mudança de consciência em relação ao potencial de favelas como modelos sustentáveis para o Rio e além.
Ao mesmo tempo, muito já foi realizado. Por demanda popular e por um desejo de continuar a nutrir as relações entre diferentes iniciativas, os participantes da RFS irão organizar outra série de intercâmbios, juntamente a treinamentos direcionados, começando no início de 2019. Além disso, a Rede continuará a facilitar o acesso à informação e a recursos e a promover a visibilidade das iniciativas.
Muitos participantes têm se dedicado a seus projetos em suas próprias comunidades com pouco apoio externo ou encorajamento. Para muitos, apenas estar na presença de outros como eles, que também estão trabalhando em direção ao desenvolvimento de soluções para questões locais, foi uma experiência empoderadora. Um grupo de WhatsApp formado depois do evento tem sido consistentemente bombardeado com notícias, compartilhamento de realizações e com os estágios iniciais de colaborações—por exemplo, Carlos André do Nascimento, um grafiteiro e criador do Museu do Graffiti na Pavuna, irá embelezar os biodigestores do Vale Encantado.
Enquanto o grupo se preparava para encerrar, uma voz na multidão espontaneamente clamou “Marielle!” “Presente!”, a sala respondeu em uníssono. Uma reunião que começou em uma sala quieta, repleta de estranhos, concluiu com uma declaração de solidariedade. As consciências comunitária e coletiva não são construídas em um único dia, mas para aqueles presentes, o desejo de seguir em frente unidos era palpável.
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