3º Intercâmbio da Rede Favela Sustentável: Agrofloresta na Zona Norte do Rio de Janeiro
A Rede Favela Sustentável (RFS) é um projeto da Comunidades Catalisadoras (ComCat) desenhado para construir redes de solidariedade, dar visibilidade, e desenvolver ações conjuntas que apoiem a expansão de iniciativas comunitárias que fortalecem a sustentabilidade ambiental e a resiliência social em favelas de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. O projeto começou em 2012 com a produção do filme Favela como Modelo Sustentável, tendo continuidade em 2017, quando foram mapeadas 111 iniciativas sustentáveis e foi publicado um relatório final que analisa os resultados.
Em 2018 o projeto realizou uma série de intercâmbios entre oito das mais duradouras e estabelecidas iniciativas que foram mapeadas na Rede Favela Sustentável (uma delas é o tema desta matéria), e em seguida foi realizado, no dia 10 de novembro, um dia inteiro de intercâmbio com toda a Rede Favela Sustentável. As oito iniciativas participantes dos intercâmbios, em campo, apresentadas nesta série incluem seis iniciativas comunitárias, sendo elas: a Cooperativa Vale Encantado no Alto da Boa Vista, o Ecco Vida em Honório Gurgel, o Verdejar no Engenho da Rainha e Complexo do Alemão, o Quilombo do Camorim em Jacarepaguá, o ReciclAção no Morro dos Prazeres, e a Eco Rede do Alfazendo na Cidade de Deus. Além disso, os integrantes dos intercâmbios visitaram duas iniciativas com foco além das favelas, com vasta experiência em sustentabilidade, sendo elas: a Onda Verde em Nova Iguaçu e o Ecomuseu de Sepetiba. Os intercâmbios têm apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil.
Assista ao vídeo que acompanha os intercâmbios apresentados nesta série clicando aqui.
3º Intercâmbio Inicia Sob a Sombra da Serra da Misericórdia
Enquanto membros da Rede Favela Sustentável (RFS) chegavam à pequena comunidade Sérgio Silva, no bairro do Engenho da Rainha, na manhã de sábado, 13 de outubro, o sol já começava a bater no asfalto. No momento em que o grupo chegou à sede do Verdejar, no entanto, uma brisa fresca substituiu o calor sob a sombra da floresta urbana da Serra da Misericórdia.
Essa sombra não foi conquistada com facilidade: há mais de vinte anos, o Verdejar vem lutando para reflorestar, e então proteger, a maior área florestal remanescente na Zona Nortedo Rio—uma região densamente povoada e com o menor espaço verde per capita da cidade.
Patricia Lima, membro do Verdejar, explicou que a organização atualmente “trabalha em várias linguagens. A gente trabalha com ecologia, audiovisual, teatro, fotografia… [atualmente estamos] focados muito mais na alimentação”, bem como em “tecnologias de baixo custo socioambientais”, o que inclui aquecimento de água com base solar e captação de água da chuva. A organização está concentrada em reconstruir sua sede depois que seu centro anterior foi demolido pela Light e em “estar mais junto da comunidade”. Eles construíram uma horta comunitária, estão em processo de construção de um forno e fogão para uma cozinha aberta e ao ar livre, e fornecem educação ambiental para as crianças locais.
Para começar, os membros da RFS do ReciclAção no Morro dos Prazeres, da Cooperativa Vale Encantado no Alto da Boa Vista, do Ecco Vida em Honório Gurgel, da Onda Verde em Nova Iguaçu e do Ecomuseu de Sepetiba se apresentaram e compartilharam o que haviam tirado dos dois primeiros intercâmbios. Otávio Barros, do Vale Encantado, descreveu sua empolgação ao ver projetos semelhantes aos seus em comunidades por toda a cidade, enquanto Helio Vanderlei, da Onda Verde, observou que “tudo começa com a resistência das pessoas… as pessoas dedicam suas vidas—seja para a questão ambiental, seja para mobilização, seja para capacitação de outros atores, seja na educação ambiental”. Vanderlei elaborou: “Há uma resistência fundamental nessas comunidades… Então, a rede é fundamental, porque ela constrói essa inter-relação entre histórias de vidas, historias de transformação social, histórias de resistência, políticas públicas inadequadas no território, [construídas] sem ouvir a sociedade local, sem entender a sociedade local, seja no Alto da Boa Vista, seja no Morro dos Prazeres, seja na Baixada Fluminense, seja no Complexo [do Alemão]… nós somos resistentes, revolucionários comunitários que acreditam na transformação social”.
O tour de transformação social do Verdejar, em Sérgio Silva, começou na horta comunitária—onde os moradores podem visitar e coletar alimentos orgânicos frescos. Todas as manhãs das quartas-feiras, o Verdejar convida o público a visitar a horta e ajudar a manter o espaço: qualquer pessoa é bem-vinda para levar resíduos orgânicos para a compostagem do jardim em troca de produtos locais. Rodrigo Morelato, membro do Verdejar, explicou que a organização está planejando realizar um censo comunitário para determinar que tipos de produtos locais os moradores gostariam de ver na horta. Os membros da RFS sugeriram a criação de rótulos para as plantas, ou até mesmo um registro, a fim de rastrear quais hortaliças são mais populares entre os moradores. Por trás da horta comunitária fica o espaço coletivo do Verdejar, que está atualmente em construção, mas que em breve incluirá um forno de pizza, fogão e atividades para crianças. Quando o “espaço de convivência” estiver completo, a equipe planeja organizar uma noite de pizza caseira usando ingredientes da horta comunitária.
Descobrindo a História do Verdejar Através de Suas Trilhas
Nos arredores da sede d0 Verdejar se encontra uma vegetação exuberante que a organização plantou em seus primórdios, quando os membros se concentravam em reflorestamento e trilhas que criaram e agora mantêm para uso local, além de conduzir visitas guiadas aos visitantes. Patrícia explicou que, devido à falta de investimento público na preservação da Serra da Misericórdia, proteger o espaço verde é “uma luta diária”, mas que “a gente continua aqui, resistindo para poder manter essa área verde viva, bonita, e preservada“. Altos níveis de violência na Zona Norte tornaram as trilhas ainda mais difíceis. Rodrigo contou pelo menos três caminhadas públicas nas trilhas que o Verdejar planejou, mas que acabaram canceladas devido a operações policiais em áreas próximas. O morador de Sérgio Silva e membro da Verdejar Álvaro Vinicius Azevedo explicou que ele e seus vizinhos têm menos contato com a floresta devido a insegurança. Relembrando suas memórias de explorar a floresta quando criança, Vinícius descreveu: “Com cinco, seis anos, eu já andava isso aqui até lá em cima. Isso aqui em cima, eu conheço tudo. Aqui é como um quintal da nossa casa, uma extensão da nossa casa”.
Nas palavras de Rodrigo, “A caminhada era muito importante [para o nosso trabalho]. Agora usamos muito pouco por causa da violência. A caminhada é magica; conta histórias dos lugares, das árvores, é [isso] que muda a perspectiva sobre ser humano… É o que traz gente [para visitar a Verdejar e a Serra da Misericórdia]”.
Enquanto Patrícia e Rodrigo guiavam o grupo para a trilha mais próxima, o antigo membro do Verdejar Zolmir Figueiredo debatia sobre a história da Serra da Misericórdia: como sua localização em uma parte do Rio tipicamente negligenciada pelo governo local levou à sua exploração, como grupos como a Verdejar—liderado por seu falecido fundador, Luiz Poeta—lutaram para obter o reconhecimento como uma Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU), e como as autoridades públicas não conseguiram traduzir essa ação legal em benefícios materiais para o meio ambiente e comunidades vizinhas.
Nas palavras de Zolmir, antes do Verdejar ser fundado há 21 anos, “a Serra da Misericórdia não era reconhecida—era uma área esquecida dentro da cidade do Rio de Janeiro… Era uma área de exploração mineral, favelização, área para jogar entulho“. A negligência do governo combinada com a localização da floresta ao lado de um aterro levou-a a frequentes incêndios. Luiz Poeta criou inicialmente o Verdejar para enfrentar essa ameaça, através do reflorestamento liderado pela comunidade. Foi através da defesa feita pelo Verdejar, junto com outras instituições locais, que o governo do Rio nomeou a Serra da Misericórdia como uma área de proteção ambiental. No entanto, de acordo com Zolmir, “Na realidade, os governos nunca fizeram nada… Então, tem um plano diretor da área do Parque Municipal da Serra da Misericórdia, mas está tudo no papel. Não há interesse do poder público, nem do Estado, nem da prefeitura para impulsionar este projeto… E a gente aqui [com o Verdejar], já estamos esse tempo todo.”
Construindo Espaço Verde e Um Futuro Compartilhado
A equipe de voluntários do Verdejar trabalha em duas sedes na Zona Norte: uma no Engenho da Rainha—conectada ao Complexo do Alemão pela Serra da Misericórdia—e a outra no Morro da Esperança, em Olaria. Um dos desafios do Verdejar é incentivar um envolvimento mais local em seus projetos e construir um senso de conscientização coletiva sobre a importância da Serra da Misericórdia. Embora muitas vezes a habitação seja vista como conflitante com a conservação ambiental, a equipe do Verdejar quer mostrar às comunidades no perímetro da floresta que elas podem de fato coexistir com o ambiente natural, gerando impactos positivos para a saúde da população local e dos sistemas ecológicos. Enquanto a organização atualmente não tem a força de trabalho e o apoio do governo necessários para administrar a vasta agrofloresta da Serra da Misericórdia, a organização está focada em aumentar o envolvimento da comunidade em seus projetos. Patrícia explicou que uma série de oficinas de hortas caseiras ajudou a equipe do Verdejar a conhecer mais os moradores e incentivá-los a desenvolver seus próprios espaços verdes em casa. Enquanto a equipe do Verdejar está confiante de que os moradores estão familiarizados com o Verdejar, eles querem criar um maior senso de propriedade da comunidade. Nas palavras de Patrícia, “A gente está criando uma rede da rua… a gente está aqui [para a comunidade]… porque a gente está aqui fazendo não para a gente. Estamos fazendo pra todos, pra todos aproveitarem isso aqui”.
Quando o grupo da RFS retornou da caminhada para a sede do Verdejar, os participantes trocaram idéias sobre os objetivos e desafios da organização. A representante da EccoVida, Marcele Ribeiro, se ofereceu para colocar a equipe em contato com um amigo que falou em um recente evento Lixo Zero sobre gerenciamento agroflorestal, enquanto Otávio Barros, do Vale Encantado, sugeriu que a organização seja parceira de estudantes da UFRJ para expandir sua base de voluntários e escopo de especialização. Enquanto isso, Helio Vanderlei, da Onda Verde, sugeriu que a equipe criasse uma placa com um mapa descrevendo a floresta, suas comunidades vizinhas e as áreas onde o Verdejar atua, explicando a importância de criar uma “visão geográfica do território… para a gente se localizar. A gente valoriza o que a gente vê—a gente não valoriza o que a gente [apenas] ouve”.
Idéias continuaram a fluir enquanto os participantes da RFS se protegiam na sede florestal do Verdejar do calor do meio-dia, antes de seguir para a EccoVida—outra iniciativa de base na Zona Norte com uma longa história de trabalho para a sustentabilidade socioambiental. Antes de sair, no entanto, representantes da Onda Verde e do Ecomuseu de Sepetiba compartilharam ideias e experiências com representantes do Verdejar sobre tudo, desde projetos de fotografia até educação ambiental—conversas que asseguravam que o intercâmbio de conhecimento estava longe de terminar.
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