‘Energia Solar Nas Favelas é Possível?’ Debatido pelo GT Solar da Rede Favela Sustentável [VÍDEO]
No dia 10 de junho, o Grupo de Trabalho de Energia Solar da Rede Favela Sustentável (RFS), realizou a LIVE interativa: Energia Solar nas Favelas é Possível?. Nove participantes compartilharam experiências com mais de 100 pessoas na plateia do Zoom. Desde a parte técnica da implementação de painéis solares nas favelas até os benefícios diretos para os moradores foram debatidos.
A roda de conversa teve as participações de: Natália Chaves, cientista ambiental e membro da Rede Brasileira de Mulheres na Energia Solar (MESol); Hans Rauschmayer, especialista em energia solar da Solarize; Otávio Alves Barros, presidente da Associação de Moradores do Vale Encantado, no Alto da Boa Vista; Adalberto Almeida, co-fundador da RevoluSolar nas comunidades do Morro da Babilônia e Chapéu Mangueira, na Zona Sul; Eduardo Avila, diretor executivo da RevoluSolar; Henrique Drumond, co-fundador e CEO da Insolar; Verônica Moura, embaixadora da Insolar no Santa Marta, Zona Sul; Elma Maria da Silva de Alleluia, presidente da ONG SER Alzira de Aleluia, no Vidigal, Zona Sul; e Alessandra Biá, que lidera a Escola Libertária de Artes (ELA) em uma Kombi itinerante que utiliza um painel solar para gerar energia e percorre o Complexo da Maré, Zona Norte.
Os convidados tiveram a oportunidade de trocar experiências e relatar quais são os principais desafios para a adoção da energia solar nas favelas do Rio. Eles revelaram como as iniciativas das quais fazem parte já oferecem exemplos práticos de sucessos e também como estratégias sustentáveis podem ser combinadas e expandidas a outras comunidades.
Natália mediou a conversa e iniciou sua apresentação destacando a importância da energia vinda de fontes que causam menos impactos ao meio ambiente, como a solar. Ela acrescentou que para fazer essa transição para energias mais limpas, “devemos incluir a responsabilidade social e a diversidade quando falamos sobre sustentabilidade”. Natália apontou os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Organizações das Nações Unidas (ONU) como norteadores para o cumprimento de três importantes metas: acesso à energia acessível e limpa (Objetivo #7), tornar as cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis (Objetivo #11) e combate às alterações climáticas (Objetivo #13).
Experiências Possíveis
Hans, um dos pioneiros na propulsão da energia solar na cidade do Rio de Janeiro, ressaltou a importância do GT de Energia Solar da Rede Favela Sustentável, que agrega diversas experiências e que colhe frutos nos níveis local e federal. Ele explicou a parte técnica da realização de infraestrutura solar, e como isso é feito no caso dos processos e as parcerias da sua empresa, Solarize, cujo principal objetivo é capacitar mão de obra especializada. Hans apontou o crescimento desse setor no Brasil, “estamos com mais de 300.000 instalações desde 2013 gerando mais de 100.000 empregos e ainda temos muito potencial”. Ele citou o exemplo do Galpão Bela Maré, no Complexo da Maré, que após a instalação das placas gera uma economia aproximada de R$20.000 por ano.
Sobre a democratização da energia solar nas favelas, Henrique da Insolar abordou como um negócio social pode focar na inclusão e na facilidade de acesso ao serviço aliado aos benefícios ambientais. “Ao permitir que qualquer pessoa possa gerar sua própria energia, é possível economizar na conta de luz e investir no bem estar da sua família, em uma alimentação melhor, educação, etc.” Ele completou explicando como as parcerias são colaborativas, “nós conversamos com as lideranças locais, buscamos trazer a capacitação para que os próprios moradores realizem a instalação, dando o máximo de oportunidade para que eles montem o seu próprio negócio e se apropriem da tecnologia e do conhecimento”.
Henrique citou o Santa Marta para exemplificar como a colaboração pode se expandir e gerar escalabilidade. “A gente começa com um projeto piloto, no Santa Marta foi na Creche Mundo Infantil. A fase dois é a expansão local em parceria com os moradores, incluindo financiamento e doações. A última etapa é a democratização, quando chega nas famílias.” Verônica, que atua no Santa Marta como embaixadora da Insolar, destacou como é importante o protagonismo da comunidade: “Os moradores fizeram a pesquisa e as pessoas decidiram quais instituições participariam do projeto piloto. Nós pensamos e construímos juntos, a comunidade é parte importante dessa renovação. Nós acreditamos que outras favelas também podem ter acesso à energia solar”.
Veja as imagens apresentadas aqui:
Desafios & Oportunidades
Adalberto, co-fundador da RevoluSolar, morador da Babilônia e um dos primeiros instaladores de painéis solares em favelas cariocas, relatou alguns dos problemas que moradores das favelas enfrentam, principalmente com o descaso da Light. “Quando cai a luz e ligamos para a Light, eles passam horas e até dias sem vir, é quando o morador acaba optando por fazer ‘gato’, correndo um grande risco de incêndio e queima de aparelhos domésticos.” Ele também apontou o alto valor pago pelas famílias das comunidades e a diferença no atendimento aos moradores das favelas em comparação aos outros bairros da cidade e questionou: “Temos que ficar dias e horas sem o retorno da energia que pagamos. Será que nós só temos o direito de votar e não temos o nosso direito de consumidor só porque somos moradores de favela?”
Eduardo, também da RevoluSolar, explicou que as tarifas cobradas pela energia elétrica nas favelas são altas porque são baseadas em estimativas e não no consumo real. “Não é só uma insatisfação com a qualidade do serviço e com o preço, mas tem esse sentimento de injustiça e impotência que é muito forte.” Dentro desse panorama, a organização busca capacitar os moradores, além de oferecer oficinas infantis para conscientização e realizar eventos e pesquisas. Foi em uma dessas pesquisas que especialistas entenderam que os morros cariocas têm uma localização privilegiada para captar e gerar energia solar.
Hoje, o grupo atua nas favelas da Babilônia e do Chapéu Mangueira e já se prepara para uma nova iniciativa, a primeira cooperativa de energia solar em favelas brasileiras. “Adotamos a geração compartilhada que se harmoniza com o senso de cooperação e de comunidade das favelas. Já temos equipamentos que parceiros vão doar, mas falta alguns apoios para darmos os próximos passos nesse projeto.” Eduardo convidou possíveis interessados a buscarem informações e colaborarem.
Presidente da Associação de Moradores do Vale Encantado, Otávio Alves Barros compartilhou a experiência na sua comunidade e destacou como as ações para economia de energia elétrica podem ser criadas aos poucos. “Uma das iniciativas é começar a economizar com o aquecedor de baixo custo, dá uma dimensão no bolso que as pessoas não têm ideia. Se você é organizado, você pode economizar R$120 por mês numa conta de 300 reais.” Para muitos que ainda enxergam a energia solar como algo caro e elitista, Otávio esclareceu que os moradores podem iniciar com materiais que têm em casa se tiverem o apoio de um dos grupos especializados.
Novos Horizontes
Em uma Kombi equipada com um painel solar, a Escola Libertária de Artes (ELA) percorre o Complexo da Maré levando não apenas cultura e educação, mas também abrindo horizontes e novas possibilidades para os moradores. Quem dirige essa empreitada é Alessandra que relatou: “Fiquei encantada com essa metodologia e com a aproximação da energia solar com as comunidades”, e acrescentou sobre a interação com os moradores: “Mototaxistas se encantam, todos sonham juntos. A galera quer ser eletricista, quer fazer cursos e aprender a usar, as crianças também querem entender como aquilo funciona, isso é muito legal”, conclui.
Elma considera que o GT de Energia Solar da RFS foi a porta de entrada para que pudesse entender e levar a energia solar para a ONG Ser Alzira de Aleluia no Vidigal. “Com a energia solar, as pessoas podem sair do ‘gato’ e da invisibilidade, diminuindo a informalidade. A união entre as comunidades também é muito importante, precisamos de palestras para levar o conhecimento e o entendimento para que todos vejam que é possível e viável.” Elma considera que o momento é de urgência e que a atual pandemia pode catalizar o desejo de mudança nas favelas.
Perguntas da Plateia
A live contou com a participação do público que pôde enviar perguntas e dúvidas sobre o uso da energia solar. Sobre os principais gargalos para a instalação da energia solar nas favelas, Adalberto e Eduardo concordaram sobre a dificuldade de financiamento. O segundo sublinhou: “Falta uma instituição que consiga fazer esse investimento e parcerias para desenhar uma forma dos moradores conseguirem pagar mensalmente, porque eles não têm esse capital inicial. É uma questão de alocação [de recursos] porque é difícil investir tudo no início”. Já Adalberto lembrou que muitas instituições financeiras recusam-se a dar linha de crédito para quem mora nas favelas.
A moderadora Natália relembrou o ponto essencial do engajamento da comunidade e de “se enxergar a realidade do local, para, aí sim, contribuirmos com uma iniciativa”. Verônica identificou os desafios no Santa Marta. “Estamos conversando com os moradores. O processo de comunicação tem que mostrar o benefício a longo prazo, essa é nossa maior dificuldade na comunidade. É mais fácil com os jovens e muitos moradores têm perguntas. Será que vou me endividar? Será que vou ter benefícios? Eu acho fundamental a comunicação e a educação dentro da favela para os moradores, principalmente para os mais antigos.”
Henrique observou a importância de se encontrar soluções diversas. “Você tem que estudar os espaços disponíveis, algumas comunidades têm mais espaço disponível, outras menos. Acho que as soluções se complementam: se você gera energia nos telhados que estão em condições de receber, melhora os telhados que não estão preparados, ou gera energia em maior quantidade para distribuir, temos várias opções disponíveis.”
Para exemplificar uma iniciativa de sucesso que combinou diversas ações ambientais, incluindo energia solar, Henrique contou um caso do Santa Marta. “Na quadra de samba e na associação de moradores temos vários painéis. Zeramos a conta da sede da associação com os doze painéis, que também abriga uma escola de música e dança. A gente fez um telhado com bioconstrução (madeira e bambu). Por causa do acúmulo de água do telhado construímos uma calha que coleta água da chuva e abastece uma parede verde. O prédio todo abraçou a sustentabilidade”, comemora Henrique.