Psicólogos Comunitários Falam na LIVE: ‘Saúde Mental nas Favelas Durante a Pandemia’ [VÍDEO]
No dia 11 de maio, a Comunidades Catalisadoras (ComCat),* através da Rede Favela Sustentável (RFS) e RioOnWatch, com apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil, realizou sua segunda LIVE interativa, “Saúde Mental nas Favelas Durante a Pandemia”. Os cinco palestrantes do evento, todos envolvidos em trabalhos com saúde mental em favelas de diferentes formas e perspectivas, falaram do impacto psicossocial da crise do coronavírus nas favelas e da importância do cuidado, carinho e solidariedade durante a pandemia.
A roda de conversa reuniu: o historiador, ativista social e bolsista da Fiocruz, André Lima, de Manguinhos na Zona Norte; a psicóloga clínica e comunitária do Centro de Atendimento Psicossocial Magal (CAPS), Nara Goes, que atua no Complexo da Maré na Zona Norte; a criadora do projeto de agrofloresta e métodos naturais de cuidado Naturalê, Alessandra Alves-Roque, do Morro da Providência no Centro; a comunicadora da Maré, Simone Lauar, da Agência de Notícias das Favelas e do blog Garotas da Maré; e a psicóloga da Casa Dona Amélia e colaboradora da Frente CDD, Ingrid Siss, da Cidade de Deus na Zona Oeste.
O encontro virtual começou e terminou com práticas de respiração como ferramentas para lidar com estresse e ansiedade, guiadas por Lorena Portela, doutoranda em saúde pública na ENSP/Fiocruz, professora de Dakshina Tantra Yoga e co-coordenadora do projeto Horta Inteligente, na Providência.
O evento foi planejado por conta das dificuldades com a saúde mental que estão surgindo entre moradores de favelas devido à pandemia da Covid-19 e por um pedido nos encaminhamentos após a primeira LIVE da série, sobre as estratégias de comunicadores comunitários para informar, comunicar e mobilizar nas favelas frente à pandemia do Coronavírus.
O intercâmbio focou nos desafios da saúde mental sofridos devido à crise da Covid-19 e centrou-se em seis temas: medo, luto, coexistência, acesso a serviços de saúde mental, gênero e luta. Incerteza, doença, morte de entes queridos e o isolamento social, estão levando moradores ao aumento do medo, estresse, ansiedade, insônia, tristeza, depressão, solidão e falta de perspectivas.
Os palestrantes da noite também abordaram preocupações relacionadas aos elementos da violência estrutural na crise, como o agravamento da desigualdade econômica, da violência doméstica e do ônus emocional das mulheres. Todos os participantes tiveram a oportunidade de trocar dicas sobre autocuidado e preservação da saúde mental, principalmente para os que estão na linha de frente da crise.
Desafios Psicológicos Exacerbados Durante a Pandemia
Alessandra tentou colocar em palavras um dos sofrimentos psicológicos mais amplamente compartilhados: “O medo é o maior sentimento no momento na favela. O medo de não ser atendido, o medo de ficar só, o medo da morte… O isolamento e o distanciamento social trazem isso porque nos remetem a uma solidão, pois somos pessoas que se abraçam o tempo inteiro”.
Ingrid explicou que o medo também vem do desconhecido e da proximidade da ameaça: “É uma doença que você não sabe de onde vem e a subnotificação é muito real, com cada vez mais mortes do lado, um vizinho que está infectado, um amigo que vamos perdendo…”, ela disse.
Simone explicou que tudo isso cria desafios psicológicos crescentes: “[O problema da] saúde mental é uma coisa que não se fala muito, mas é uma coisa que a gente vê cada dia mais acontecer. Tenho uma vizinha que está grávida e ela sofre de ansiedade […], ouvi relatos de mulheres que estão sofrendo abuso em casa e que começaram a desenvolver estresse, depressão e pânico […], o índice de suicídio aumentou muito nas favelas […] tem muita gente passando mal”.
Simone até compartilhou experiências pessoais, relatando que ela e sua irmã, que sofre de depressão clínica, tiveram experiências ligadas às preocupações econômicas geradas pela crise: “Os problemas com o auxílio emergencial fez com que minha irmã tivesse uma crise de pânico no meio da rua”, disse Simone. “Eu mesmo tive uma crise de ansiedade ontem porque eu trabalhava com quentinhas veganas, e de repente eu não tenho mais nada“.
Para Alessandra, estes problemas psicológicos não deveriam ser ignorados: “Nós favelados não fomos acostumados a fazer terapia, ir ao psicólogo […] mas [a pandemia] cria traumas e doenças na nossa alma, na nossa mente. E aí a gente precisa de um profissional, de um grupo de apoio para nós auxiliar”.
Falta de Atenção Pública e Desigualdades Estruturais Agravam a Saúde Mental nas Favelas
Simone mostrou que sempre houve a falta de acesso ao atendimento psicológico nas favelas: “Minha irmã foi diagnosticada com ansiedade depressiva e síndrome do pânico desde 2007, e desde então a gente têm muita dificuldade de achar tratamento aqui”, ela disse. “Com a pandemia, isso deu uma piorada.”
Nara explicou que a falta de atenção psicossocial por parte do poder público não é nova: “Tinha psicólogos na Clínica da Família, mas eles foram todos demitidos. Então, tem a questão do desmonte do SUS, da política pública. O cuidado da saúde mental já era vulnerável, e agora a rede está ainda mais precária”.
Ingrid também insistiu na importância de entender a questão da saúde mental nas favelas, observando as desigualdades socioeconômicas estruturais que sempre existiram e foram exacerbadas pela crise atual. A Covid-19 não é a única fonte de estresse psicológico, disse Ingrid. “Os reflexos da pandemia causam um peso muito grande […] o vírus é invisível, mas a fome é extremamente sensível, e o cara que quer tirar minha casa é visível.”
Ela explicou que essa vulnerabilidade estrutural atua como uma carga adicional, que agrava a situação das populações em maior risco: “Quando se fala sobre saúde mental neste contexto atual, o que salta aos olhos é o isolamento ou o medo desta doença. Mas são preocupações mais burguesas”, disse Ingrid. “Ainda que todos nós estejamos afetados, é uma situação de privilégio estar afetado só por estas duas questões. A favela ainda está se preocupando com questões muito básicas, que já eram muito preocupantes e que já causavam questões de saúde mental, mas que se tornam muito maiores.”
“Vivemos uma pandemia e uma quarentena diferente na cidade e na favela […] porque a gente precisa entender que boa parte da favela não pode parar”, disse a psicóloga. “A rotina da cidade parou, mas a minha rotina não parou. O que muda é o ônibus estar vazio e eu ter que usar máscara. Mas ainda tenho obrigações e horários a cumprir. A cidade está vivendo uma coisa que eu não estou vivendo porque não tive esse direito.”
Investindo no Poder das Redes de Cuidado Existentes nas Favelas
Cada palestrante mencionou várias soluções próprias que estão sendo desenvolvidas nos territórios das favelas. Segundo André, “a favela é um espaço de vulnerabilidade, mas que nasce de uma força, de uma energia, de uma potência que não pode ser ignorada, e isso vale também quando falamos de saúde mental”. Ele citou o conceito de esperança de Paulo Freire para caracterizar a força da favela para ir em frente: “Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir e não desistir!”. De fato, para André “se tem uma palavra que a favela conhece há muito tempo é resiliência, inovar para tentar avançar”.
Nara concordou: “temos que olhar para favela como lugar de potência, as pessoas da favela já têm suas formas e redes de cuidado”. Alessandra adicionou que “vamos resistir como sempre fizemos na favela”. Uma das participantes prosseguiu no final da conversa dizendo que com essas redes “você não se sente tão sozinha”.
Os palestrantes compartilharam conselhos concretos para lidar com ansiedade e apresentaram iniciativas sendo preparadas para ajudar. Ingrid falou das iniciativas da Casa Dona Amélia com voluntários psicólogos, e também com distribuição de cestas básicas para ajudar a aliviar o peso mental da fome e da falta de renda.
Simone compartilhou a ação na qual está participando com a sua irmã, a “Mentes da Maré”, iniciativa na qual elas gostariam de fazer uma roda de conversa com psicólogos. Alessandra descreveu o poder de algumas ervas explicando que “no meio desse nervoso, as ervas podem ajudar para equilibrar as emoções e os sentimentos”. Ela encerrou a roda de conversa respondendo à pergunta “agora o que fazer?” A resposta?: “Nos colocar a disposição para ajudar ao outro”.
A terceira LIVE interativa da série acontecerá hoje, 21 de maio, onde comunicadores populares debaterão o papel da grande imprensa na cobertura da crise do coronavírus.
Assista a LIVE sobre Saúde Mental nas Favelas aqui:
*A Rede Favela Sustentável e o RioOnWatch são projetos da Comunidades Catalisadoras