No dia 28 de agosto de 2021, 258 pessoas de 33 países se reuniram, online, para participar do primeiro Intercâmbio Internacional da Rede Favela Sustentável*, onde vinte mobilizadores comunitários de favelas e comunidades desinvestidas em cinco países—Brasil, Quênia, Nigéria, África do Sul e EUA—apresentaram suas soluções de base para uma série de desafios socioambientais. O rico intercâmbio foi possibilitado pela tradução simultânea entre português e inglês por alunos do Curso de Formação de Intérpretes da PUC-Rio. O evento, no Zoom, teve início às 10h com a abertura da primeira sessão, na qual nove mobilizadores comunitários apresentaram suas iniciativas e os principais desafios socioambientais que vêm enfrentando. Em seguida, mais duas outras sessões aprofundaram a reflexão e o vínculo formado entre os participantes.
Rápidas apresentações foram feitas pela Diretora Executiva da Comunidades Catalisadoras (ComCat) Theresa Williamson, pelo professor Leonel Ponce, do Instituto Pratt e dois facilitadores da RFS Iamê de Sá e Igor Valamiel.
Mauro Pereira, cofundador de uma organização criada para defender a Serra do Mendanha na Zona Oeste, a Defensores do Planeta, moderou a primeira sessão, convidando cada palestrante a falar: Luis Cassiano Silva, criador do Teto Verde Favela, no Parque Arará, no Rio; Monica Lewis-Patrick, fundadora da Nós o Povo de Detroit; Brian Otieno, integrante do Centro de Justiça Social de Mathare, em Nairóbi, no Quênia; Otávio Alves Barros, presidente da Cooperativa do Vale Encantado; Dariella Rodriguez, diretora de desenvolvimento comunitário da The Point CDC, no Bronx, Nova Iorque; Jane Anyango, fundadora do Projeto de Desenvolvimento Polycom, em Nairóbi, Quênia; Márcia Souza, diretora do Museu de Favela, na favela do Cantagalo, no Rio de Janeiro; Michael Uwemedimo, diretor do Projeto Cidade Humana que apresentou a Chicoco Radio de Port Harcourt, na Nigéria; e, por fim, Rose Molokoane, da Slum Dwellers International e moradora de Oukasie, comunidade em Pretória, África do Sul.
Primeiro, Theresa Williamson, Diretora Executiva da Comunidades Catalisadoras (ComCat), deu as boas-vindas aos participantes e compartilhou seu prazer em ver a realização deste intercâmbio inédito que, graças à sua realização online, possibilitou a presença de participantes de 33 países.
Em seguida, Leonel Ponce se apresentou brevemente e descreveu a potência gerada por esse tipo de intercâmbio, o primeiro da RFS porém tendo como experiências prévias dois organizados por ele junto da ComCat, um que trouxe alunos do Instituto Pratt para o Rio de Janeiro e, posteriormente, um que levou lideranças comunitárias do Rio para Nova Iorque para a conferência Planner’s Network de 2019.
Iamê de Sá, facilitadora do Grupo de Trabalho de Educação Ambiental da Rede Favela Sustentável, detalhou como, desde que a rede foi mapeada virtualmente em 2017, muitos intercâmbios aconteceram em 2018 e 2019 nas favelas do Rio de Janeiro, permitindo que lideranças comunitárias aprendessem umas com as outras no nível local. Em 2019, foram lançados sete grupos de trabalho da RFS, que mais tarde conduziram ações de apoio a moradores de favela durante a pandemia em 2020.
Igor Valamiel, facilitador do Grupo de Trabalho de Memória e Cultura da RFS, resumiu a agenda do evento: a primeira sessão seria dedicada à apresentação de seus projetos por lideranças comunitárias, seguida por uma roda de conversa na segunda sessão. Finalmente, uma terceira sessão convidaria palestrantes e o público a compartilharem reflexões culturais e emotivas.
Mauro Pereira moderou a primeira sessão, apresentando o seu trabalho na implementação da Agenda 2030 da ONU, fortalecendo a agricultura familiar, empoderando jovens e influenciando políticas públicas. Mauro então convidou o primeiro convidado do dia a tomar a palavra.
Luis Cassiano Silva mora na comunidade do Parque Arará, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Além de produtor cultural, Cassiano trabalha com teatro e artes audiovisuais e tem projetos educativos e socioambientais. Segundo ela, a falta de espaço no Parque Arará é crítica. Na sua comunidade, sem lugar para plantar árvores ou quintais para cultivar jardins, e diante do alto custo da energia elétrica, as temperaturas rapidamente sobem a níveis insuportáveis. Assim, Cassiano construiu um teto verde sobre a sua casa, que ele também apresentou como um local para cultivar alimentos: “Eu tive essa iniciativa de fazer um teto verde para diminuir a minha temperatura aqui, dentro de casa… e funcionou.”
Ele compartilhou sua preocupação de que as favelas se tornem cada vez mais quentes no futuro e a necessidade urgente de pensarmos em soluções. Cassiano tem pensado em formar parcerias para um novo projeto quando a pandemia terminar, este com o objetivo de diminuir a temperatura das caixas d’água nas favelas durante o verão. Cassiano, por fim, compartilhou seu desejo de espalhar essa forma de pensar: “Eu acho que tem tudo a ver com a gente botar consciência, para a gente ter uma qualidade de vida melhor, mais sustentável e bonita.”
A pesquisadora, educadora, empresária e ativista de direitos humanos Monica Lewis-Patrick (também conhecida como a Guerreira das Águas) fundou a Nós o Povo de Detroit (WPD), uma organização que aborda a crise da água em Michigan, nos Estados Unidos, e em todo o mundo. Primeiro, Monica contou como sua pequena ONG nasceu das evidências do corte de fornecimento de água para um número significativo de lares na cidade de Detroit: “Nos Estados Unidos, em média, 15 milhões de americanos lutam para ter acesso a água limpa, segura e acessível”, disse ela. Monica apresentou uma série de mapas criados por sua organização que demonstram a ligação entre a falta de água e a disseminação de doenças como a hepatite A e o coronavírus.
Monica também denunciou o fracasso do governo em enfrentar a crise da água em Detroit, os grandes aumentos de preço e a implementação racista na gestão de emergências: “O que sabemos é que não é só a mudança de clima, mas também a violência estrutural baseada no racismo que vem criando alguns desses danos climáticos que vêm mostrando sinais claros em nossas comunidades. Mas nós tivemos de demonstrar para a nossa própria comunidade, para o nosso próprio governo que estavam nos prejudicando ao nos negarem acesso a uma infraestrutura que os próprios moradores de Detroit construíram”.
Mauro replicou traçando um paralelo com o acesso à água na Zona Oeste do Rio: “Nós produzimos água nos nossos maciços, nos nossos parques estaduais da Pedra Branca e do Mendanha, embora as nossas comunidades continuem a sofrer muito com a falta d’água e de saneamento básico”, ao parabenizá-la por suas ações.
Brian Otieno, artista, ativista e pensador queniano nascido e criado em Mathare, a segunda maior favela de Nairóbi, é integrante do Centro de Justiça Social de Mathare e coordenador da Campanha Arte para a Transformação Social. É também um defensor da justiça ecológica, dedicado a plantar árvores em seu bairro. “Se você quiser mudanças, cave um buraco e plante uma árvore”, disse ele. Conhecido pelo nome artístico de Stoneface Bombaa, ele falou das injustiças que ocorrem em Mathare, além das chacinas frequentes com as quais a comunidade vem lidando. Plantando árvores, ele explica, sua comunidade pode ter um impacto não só ambiental como social: “Plantando essas árvores, nós trazemos de volta as memórias daqueles que foram eliminados pela violência da polícia que volta e meia ocorre na nossa comunidade. Damos a essas árvores os nomes das pessoas que foram mortas por policiais.” O objetivo do grupo: plantar 10.000 árvores na comunidade nos próximos cinco anos.
A apresentação seguinte foi dada por Otávio Barros, presidente da Cooperativa e da Associação de Moradores do Vale Encantado. A cooperativa engaja famílias locais em iniciativas que possibilitam o desenvolvimento sustentável da comunidade. Suas realizações incluem uma culinária local única, aquecimento solar de água, um biodigestor que opera com restos de alimentos, e um biossistema que trata o esgoto da comunidade utilizando um biodigestor que produz biogás usado por moradores.
Otávio, cuja família mora no local há cinco gerações, apresentou os projetos que estão sendo desenvolvidos pelo Vale Encantado. Ele explicou como funciona o biodigestor da cozinha da cooperativa: os restos de alimento são colocados no biodigestor onde são digeridos por microorganismos que produzem biofertilizante e gás, que então retorna à cozinha da cooperativa, para produzir e cozinhar produtos para serem vendidos no seu restaurante.
A comunidade também construiu um biossistema de tratamento de esgoto que depende, em parte, de um filtro de zona de raízes e que até agora está conectado a cinco casas. “Isso melhorou não só a qualidade de vida dos moradores, mas também o meio ambiente. Já tem ajudado na qualidade da água que é despejada no nosso rio… O sistema de tratamento de esgoto talvez seja uma primeira referência entre as favelas do Rio de Janeiro, pois é realizado [pela comunidade] e sustentável”. Otávio destacou que as soluções encontradas para o Vale Encantado vieram de dentro da comunidade e de muito trabalho, e que a prefeitura tipicamente não se interessa por atuar em comunidades tão pequenas quanto a dele.
Dariella Rodriguez, uma mobilizadora comunitária baseada em Nova Iorque, trabalha em campanhas que abordam a justiça ambiental, notadamente justiça alimentar e reforma educacional. Sua organização, The Point, foi fundada há 25 anos quando a comunidade de Dariella percebeu que havia a necessidade dos jovens se engajarem em programas de arte que pudessem trazer sua própria cultura para suas vidas cotidianas, e através dos quais as questões que impactam suas comunidades pudessem ser abordadas. Ela lembra:
“Havia essa história no Bronx, que você precisava escapar o mais rápido que pudesse se quisesse ser uma pessoa de sucesso. The Point se tornou um testemunho do que os moradores foram capazes de fazer quando se viram como o maior ativo que nossa comunidade possuía e trouxeram suas habilidades, seu talento e sua cultura para um espaço compartilhado.”
Dariella diz que o poder público vê sua comunidade como uma “zona de sacrifício”. Os problemas enfrentados são muito básicos, como qualidade do ar ou calor, e podem ser facilmente relacionados à falta de investimento na infraestrutura da área. Ela também mencionou parcerias com artistas “não apenas para criar murais e arte pública, mas também para ver como podemos sonhar com um futuro diferente.”
A sexta líder comunitária a falar foi Jane Anyango, uma ativista queniana pela paz e pelos direitos das mulheres e meninas. Fundadora e diretora do Projeto de Desenvolvimento Polycom de empoderamento feminino—que intervém tanto em escolas quanto em favelas—ela explicou como as mulheres se mobilizaram em 2007 e 2013 para responder à violência pós-eleitoral em um país dividido por mais de 42 tribos.
Jane apresentou vários projetos e atividades implementadas pela organização no nível escolar, especialmente para lidar com o assédio sexual. Um deles é chamado de Caixas Falantes:
“Instalamos caixas nas escolas, as trancamos e encorajamos as crianças a colocarem tudo o que desejam compartilhar, principalmente os problemas que enfrentam em suas casas, sua comunidade e em todos os lugares. Em seguida, organizamos fóruns para abordar os problemas que elas enfrentam.”
Ela passou a explicar como isso lhes permitiu elaborar programas inovadores sobre o assédio de meninas, observando também que não existe uma definição de assédio sexual no Quênia. Ainda com foco no empoderamento das mulheres, a organização lançou eventos sobre agricultura urbana, participação pública e prestação de contas, sempre voltados especificamente para mulheres.
Márcia Souza, moradora do Cantagalo, favela da Zona Sul do Rio de Janeiro, é ativista social e produtora de eventos, além de mediadora territorial. Ela integra a Rede Favela Sustentável desde o seu início e apresentou o projeto do qual é cofundadora e atualmente dirige: o Museu de Favela. Criado em 2008 no Cantagalo, o Museu de Favela marca uma nova era na museologia. O Cantagalo está localizado entre dois dos bairros mais ricos do Rio e os mais procurado pelos turistas: Ipanema e Copacabana. Os moradores da comunidade puderam sentir o desejo dos turistas, que ficam nessas áreas, de subir e visitar a favela. Coletivamente, um grupo de moradores pensou em maneiras de criar tours sustentáveis que reforçassem a comunidade como uma parte crucial da cidade, apesar da negligência crônica do governo. Assim, nasceu o Museu de Favela a céu aberto: “Nosso acervo são as pessoas, a favela é o museu”.
“Conforme a gente foi ouvindo essas histórias… a gente começou implementar esse museu. E esse museu conta essa história através da arte, da cultura, do samba, da música… A gente pegou os saberes da favela e começamos a compartilhar, então a gente começou a receber visitantes.”
Michael Uwemedimo é graduado em direito, cofundador e diretor da Plataforma Colaborativa de Mídia de Incidência, bem como diretor de projetos do Projeto Cidade Humana, no qual focou sua apresentação. O projeto é baseado em Port Harcourt, a capital do petróleo da Nigéria, e consiste em mídias comunitárias, arquitetura, planejamento e iniciativas de direitos humanos. Michael mencionou a intensa degradação ambiental deste bairro devido à extração de hidrocarbonetos, que impactou a água e o solo. Outro grande problema é o da segurança devido à demolição de assentamentos. O projeto Cidade Humana foi criado como um espaço para as pessoas serem vistas e ouvidas e assim surgiu: a Rádio Chicoco, compartilhando a música e as histórias das comunidades; o Chicoco Studios, onde as pessoas fazem e tocam música; além disso, o Chicoco Cinema, o Chicoco Maps e o Chicoco Shed. Todas essas instalações estão atualmente reunidas sob um único teto denominado Espaço Chicoco.
Rose Molokoane foi a última convidada a se apresentar na primeira sessão do primeiro Intercâmbio Internacional da Rede Favela Sustentável. Moradora e membro do esquema de poupança de Oukasie, uma favela fora de Pretória, na África do Sul, ela emocionou o público com suas declarações, tais como:
“Nós temos que nos unir como povo, para que possamos mostrar a este mundo que não somos apenas destinatários de sobras de políticas, mas que podemos nos tornar os tomadores de decisão quando se trata de formulação e implementação de políticas.”
A ativista comunitária globalmente conhecida, envolvida em questões de moradia e posse, apresentou a rede Slum Dwellers International (SDI) que reúne lideranças de base de assentamentos informais em todo o Sul Global. O objetivo da organização é fazer com que os governos adotem políticas favoráveis às favelas. Ela explicou como a organização olha para as mulheres em situações vulneráveis e trabalha para implementar transformações centradas nas mulheres nas comunidades e cidades, ao mesmo tempo que promove a mobilização dos jovens e o trabalho com a mídia. Segundo ela, a organização comunitária vem em primeiro lugar e a partir dela podem acontecer parcerias com o governo.
Após a apresentação de Rose, Mauro Pereira concluiu a sessão afirmando a necessidade de uma ação global. Para ele, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável devem ser aplicados de forma universal, garantindo impacto local, “sem deixar ninguém para trás”.
Dando continuidade a nossa cobertura do primeiro Intercâmbio Internacional da Rede Favela Sustentável*, que ocorreu em 28 de agosto de 2021, esta matéria relata os resultados da roda de conversa entre mobilizadores comunitários de favelas e comunidades desinvestidas em cinco países, e o intercâmbio cultural que se seguiu. Quatro perguntas foram preparadas pedindo a cada participante que descrevesse seus desafios, táticas de organização, respostas à pandemia e como seu trabalho se relaciona com questões de justiça social.
A facilitadora da roda de conversa foi Lidiane Santos, do Alfazendo, organização comunitária com sede na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Participaram da conversa: Brian Otieno, também conhecido pelo nome artístico, Stoneface Bombaa, membro do Centro de Justiça Social de Mathare no Quênia; Jane Anyango, ativista queniana e fundadora do Projeto de Desenvolvimento Polycom; Sharon De La Cruz, diretora de sustentabilidade do The Point CDC, no Bronx, Nova Iorque; Iara Oliveira, fundadora e coordenadora do Alfazendo; Prince Nosa e Grace Timi, da Chicoco Rádio, em Port Harcourt, Nigéria; Rose Molokoane, coordenadora da Federação Sul-Africana de Pobres Urbanos (FEDUP) e membro do Comitê de Gestão da Slum Dwellers International (SDI); e Ana Santos, fundadora do Centro de Educação Multicultural (CEM) no Complexo da Penha, Rio de Janeiro.
A primeira pergunta foi sobre os desafios que cada um enfrenta como liderança comunitária. Stoneface Bombaa começou descrevendo os problemas enfrentados com a polícia em sua comunidade de Mathare, a segunda maior favela de Nairóbi. Stoneface descreveu como a polícia bloqueia e impede as ações locais. Jane Anyango, também de Nairóbi, descreveu as condições em Kibera—a maior favela da cidade—onde ela trabalha. Ela descreveu as dificuldades do seu trabalho, tendo-se tornado uma referência para as mulheres que “nos olham como fonte de esperança”. Pessoalmente, ela se sente triste e as mulheres a quem apoia se sentem perdidas quando sua organização não tem como ajudá-las. “Às vezes não temos recursos suficientes para ajudar. Não recebemos apoio suficiente do governo, embora trabalhemos muito para as comunidades”, disse Jane.
Do Bronx, em Nova Iorque, Sharon De La Cruz respondeu à mesma pergunta destacando que “um dos principais desafios agravados pela pandemia é o processo de mobilização comunitária. Todos nós podemos ter a melhor das intenções, mas como está o seu processo? [Devemos] pensar em como o processo pode ser o mais inclusivo possível, levando em consideração nos processos de planejamento, que se houver um ponto de discordância, devemos abordá-lo sem que as coisas se tornem pessoais”.
A segunda questão colocada foi sobre as táticas e estratégias que cada liderança usa para organizar e mobilizar sua comunidade. Iara Oliveira compartilhou que, no Alfazendo, aprenderam que ouvir e respeitar a todos é a melhor estratégia para lidar com as pessoas e lutar por direitos em um ambiente participativo. Prince Nosa e Grace Timi disseram que primeiro tentam entender o que a comunidade precisa e só então começam a planejar. Na comunidade, eles “usam um mapa e nós nos colocamos nele para dizer de onde viemos. E isso [faz com que todos os participantes do processo] tendam a nos contar histórias. E a partir dessas histórias começamos a planejar”, disse Prince.
Jane Anyango afirmou que, em sua organização, procuram sempre alinhar o trabalho que realizam com os marcos existentes, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Nova Agenda Urbana. “Também fazemos muita incidência política a nível comunitário e frequentemente colaboramos com pessoas que simpatizam com a causa. Usamos muitos agentes locais e tentamos fazer as pessoas falarem muito, para que possamos ecoar suas vozes. Fazemos muitas palestras no rádio, mostramos filmes e também fotos”, disse Jane.
Como o trabalho de cada um se relaciona com as questões de justiça (ambiental, climática, social, racial, gênero, juventude) foi a terceira pergunta feita. Ana Santos, do Centro de Integração Multicultural (CEM) na Serra da Misericórdia, listou os problemas gêmeos da insegurança alimentar e justiça climática, aos quais ela e seus colegas respondem buscando soberania alimentar, água, moradia adequada e agroecologia. “Se não formos nós por nós, estaremos muito mais enfraquecidos nessa sociedade. Esse evento me deixa muito mais fortalecida, me sinto numa rede muito maior. O trabalho é local, mas a articulação é mundial”, disse Ana. Rose Molokoane da SDI também respondeu que eles lutam muito pela terra e por serviços na África do Sul, enfrentando remoções e violações sociais pelo governo.
Ela acrescentou: “Se conseguirmos que as pessoas tenham seus direitos, suporte moral e financeiro, podemos trabalhar juntos e solucionar os problemas. Precisamos fazer barulho de uma forma positiva. Precisamos planejar a longo prazo, não apenas para as comunidades de hoje. As mulheres não estão absolutamente seguras. Seus filhos não estão seguros. O desemprego é enorme. Estamos lutando para que as coisas sejam feitas corretamente. Se não fizermos agora, nos arrependeremos mais tarde”.
A pergunta final tratou dos desafios enfrentados por suas comunidades para responder à pandemia. Sharon De La Cruz foi a primeira a responder, dizendo que notou, no Bronx, que a falta de acesso à internet em muitos lares resultou na violação do direito das crianças à educação. Ana Santos relatou que sua comunidade sofreu com questões de moradia e com a falta de recursos financeiros devido à resposta tardia do governo à crise, que resultou na falta de dinheiro para pagar o aluguel e na entrada de mais pessoas no tráfico de drogas para ganhar dinheiro.
Iara Oliveira também contribuiu dizendo que, atualmente, a segurança alimentar é um grande problema: “Sem o trabalho das organizações de base, um número muito maior de pessoas teria morrido. Fomos deixados sozinhos, com um presidente negacionista. Com a pandemia, passamos a distribuir cestas básicas, o que não é nosso objetivo habitual. Pudemos atender sete mil pessoas”. Rose Molokoane encerrou a segunda sessão contando que a pandemia bloqueou a maioria de seus projetos e que não poder viajar para o exterior prejudicou seu movimento.
Após um rápido intervalo, a terceira e última sessão de intercâmbio começou. Cada organização e o público foram incentivados a compartilhar elementos culturais ou filosóficos para inspirar resiliência uns aos outros. Músicas, poemas, leituras e depoimentos foram trocados em uma dinâmica mais casual, facilitada por Bruno Almeida, professor, historiador e coordenador geral do Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz (NOPH), primeiro ecomuseu comunitário do Brasil, e membro do Grupo de Trabalho de Memória e Cultura da Rede Favela Sustentável.
Os diversos intercâmbios emocionaram o público, trazendo discursos emocionantes e arte inspiradora. Nill Santos, fundadora e coordenadora da Associação Mulheres de Atitude e Compromisso Social (AMAC), em Duque de Caxias, na Grande Rio, chamou a atenção para o poder coletivo levantado naquele dia: “A gente fica cansado e nos sentimos sozinhos, mas é incrível ver que estamos aqui juntos, com as mesmas lutas. Não estamos sozinhos. Sabe porquê? Nós somos a energia que alimenta e sustenta este país. Eu só sou, porque nós somos. É isso que nos alimenta”.
Na sequência, Zoraide Gomes, conhecida como Cris dos Prazeres, manifestou sua paixão pela natureza e ecologia com um discurso esperançoso, seguida por Prince Nosa e Grace Timi que compartilharam o vídeo “Somebody’s Brother”—produzido pela Rádio Chicoco—que aborda a violência policial:
Sharon De La Cruz mostrou um vídeo das crianças de sua comunidade cantando All I Want for Christmas is You. Ana Santos, Maria Consuelo Pereira dos Santos, Julio Fessô, Thállita Sanches e Lidiane Santos leram textos e poemas originais, os quais, juntamente com os de outros membros do público, foram compartilhados no Padlet:
Uma “Nuvem de Força” foi produzida durante o evento e compartilhada via Zoom, respondendo à pergunta: O que te dá força na luta pela justiça socioambiental?
O evento terminou com vozes combinadas cantando o Rap da Felicidade, celebrando as favelas, seu sentimento de pertencimento e um desejo comum de um futuro melhor entre todas as favelas e comunidades desinvestidas do mundo.
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