4º Intercâmbio da Rede Favela Sustentável de 2019: História, Arte e Autocuidado em Vila Kennedy

Rede Favela Sustentável (RFS) é um projeto da Comunidades Catalisadoras (ComCat) desenhado para construir redes de solidariedade, dar visibilidade, e desenvolver ações conjuntas que apoiem a expansão de iniciativas comunitárias que fortalecem a sustentabilidade ambiental e a resiliência social em favelas de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. O projeto começou em 2012 com a produção do filme Favela como Modelo Sustentável, tendo continuidade em 2017, quando foram mapeadas 111 iniciativas sustentáveis e foi publicado um relatório final que analisa os resultados. 

Em 2018 o projeto realizou uma série de intercâmbios entre oito das mais duradouras e estabelecidas iniciativas que foram mapeadas na Rede Favela Sustentável e em seguida foi realizado, no dia 10 de novembro, um dia inteiro de intercâmbio com toda a Rede Favela Sustentável. Assista ao vídeo que acompanha os intercâmbios de 2018 clicando aqui.

Em 2019, o projeto está realizando uma segunda rodada de intercâmbios—dessa vez abertos a todos os membros da RFS e ao público geral—em projetos baseados na BabilôniaCamorimPavuna, Vila Kennedy e Manguinhos. Neste quarto intercâmbio do ano, os participantes visitaram o Centro Comunitário Irmãos Kennedy (CCIK) na Vila Kennedy, começando o dia com um aulão de ioga comunitário, seguido de uma apresentação sobre a história da Vila Kennedy pelo historiador local Alex Belchior. Durante a parte da tarde, os participantes se dividiram em grupos para oficinas de cestaria com jornais e jardinagem antes de se reunirem para uma roda de capacitação sobre autocuidado conduzido pela diretora da ComCat Theresa Williamson. Todas os intercâmbios do RFS são apoiados pela Fundação Heinrich Böll Brasil.


Na manhã do dia 14 de setembro, 42 pessoas se reuniram no Centro Comunitário Irmãos Kennedy (CCIK), na Vila KennedyZona Oeste, para o quarto intercâmbio da Rede Favela Sustentável de 2019. Uma chuva suave caia do lado de fora do centro comunitário, mas no interior, o instrutor de ioga e morador da Vila Kennedy, Giorgio Freitas, orientava uma aula de ioga comunitária. Uma atividade regular de autocuidado no CCIK. Nesta aula da manhã de sábado, o comparecimento foi quase total, e Giorgio conduziu aproximadamente 30 moradoras locais—durante a sessão restauradora—incentivando-as a serem ousadas, mas sem deixar de respeitar seus limites em cada uma das diferentes posições de ioga. Enquanto isso, membros da Rede Sustentável de Favela de toda a cidade chegavam no CCIK, e alguns deles também alongaram e fortaleceram seus corpos, e a sessão com novos integrantes terminou com todos os participantes deitados de olhos fechados para um exercício final de Shavasana.


Verônica Gomes Martins da Silva, presidente do CCIK, cumprimentou os participantes do dia, agora energizados, e em seguida houveram falas por Theresa Williamson das Comunidades Catalisadoras, Geiza de Andrade Moura, uma Agente Ambiental (os Agentes Ambientais são membros da comunidade treinados pelo Centro de Educação Ambiental da Prefeitura do Rio) e Alex Belchior, historiador da comunidade e guia turístico. Theresa explicou o objetivo da Rede Favela Sustentável, enfatizando a importância do intercâmbio do dia para a rede. Geiza apresentou o trabalho fundamental que os Agentes Ambientais realizam na comunidade, explicando uma das campanhas centrais do Programa Educativo em Áreas de Reflorestamento (PEAR), cujo tema é “pobreza não é sinônimo de sujeira”. O programa, que é implementado pelo Centro de Educação Ambiental da Prefeitura, visa criar uma comunidade mais sustentável, reduzindo o nível de lixo nas ruas e introduzindo pontos adicionais de coleta de lixo pelo bairro, entre muitos outros elementos.


O CCIK comemorou seu 50º aniversário em abril. O centro é uma manancial de atividades que sempre ofereceu apoio e serviços vitais à comunidade. Verônica elogiou os incansáveis ​​voluntários do CCIK como “pontos de luz para a Vila Kennedy”, que, devido à falta de apoio do setor público—exceto na forma de intervenção policial e ocupação militar—atua onde o Estado está ausente, realizando ações sociais, projetos para melhorar, empoderar e oferecer oportunidades para a comunidade. O centro oferece uma variedade de serviços, de terapia à assistência nos exames vestibulares. Acima de tudo, porém, o centro é um local para os moradores simplesmente pararem, fazer uma pausa e recuperar o fôlego.

Conectando-se com a História da Comunidade

Iniciando as atividades do dia, Alex apresentou seu trabalho na compilação de uma história abrangente da Vila Kennedy (acessível a todos no site www.vilakennedy.com) e seguiu explicando as origens do bairro. A Vila Kennedy, construída sob o mandato do governador do Rio (então estado de Guanabara), Carlos Lacerda, surgiu da assistência dos EUA , na era da Guerra Fria, no âmbito do programa Aliança para o Progresso do Presidente John F. Kennedy. Fundada em 1964 como a primeira comunidade planejada do Brasil—antigamente um laranjal, segundo Alex— a Vila Kennedy pretendia abrigar os moradores removidos da Favela do Esqueleto, perto do estádio do Maracanã, cujas casas foram demolidas para dar lugar à construção do Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Alex, morador de Vila Kennedy por 46 anos, enfatizou que, tão importante quanto a história documentada do bairro, é a conexão dos moradores com a história da comunidade, o que é igualmente vital. Ele perguntou aos participantes locais se eles conheciam a história de suas famílias, especialmente no que diz respeito a como eles vieram morar na Vila Kennedy. Alguns descreveram que suas famílias não tiveram escolhas quanto ao modo como chegaram, tendo sido forçadas a se mudarem após serem removidos de outras favelas. Outros, no entanto, vieram por escolha, atraídos para a Vila Kennedy por suas instalações planejadas desde o início, como postos médicos, supermercados e escolas.

Enquanto os moradores trocavam histórias e reconheciam suas semelhanças, o orgulho da comunidade aumentava. Os participantes estavam cheios de ideias, como instituírem reuniões regulares na comunidade e trazer fotografias antigas para ajudar Alex a criar uma imagem mais completa da história da favela e de seu povo.

“Faço isso por amor”, disse Alex, um incrível contador de histórias, quando perguntado sobre o objetivo por trás de seu trabalho. Seu projeto de longo prazo de coletar histórias de moradores, pesquisar e arquivar a história da comunidade é mais que um hobby: Alex acredita que se as pessoas entenderem a história de sua comunidade, começarão a ver onde vivem de forma diferente, se sentirão mais conectadas e avançarāo para a criação de uma identidade coletiva de moradores que se orgulham da comunidade. Ele espera retratar a Vila Kennedy como mais do que uma área atingida pela violência. Pelo contrário, como um lugar que “tem história e tem memórias”. Alex incentivou os moradores a continuarem a pesquisar as histórias de suas famílias na comunidade e a se lembrarem das batalhas que os primeiros moradores de Vila Kennedy enfrentaram para tornar o bairro o que é hoje.

Os participantes do encontro concordaram que documentar as memórias e histórias de uma comunidade é essencial e um elemento fundamental para envolver os moradores nos esforços de sustentabilidade da comunidade. Um senso de história e orgulho do lugar é o que impulsiona o sentimento de pertencimento que, por sua vez, engaja os moradores na melhoria de suas comunidades e no envolvimento com seus resultados.

Artesanato Sustentável e Jardinagem com Agentes Ambientais do Rio

Após um delicioso almoço preparado por voluntários na cozinha do CCIK, os participantes se dividiram em dois grupos e mergulharam nas oficinas da tarde, realizadas pelos Agentes Ambientais da comunidade. Geiza de Andrade guiou um grupo através de uma oficina sustentável de tecelagem de cestas de jornais, enquanto Nair Romão levou um segundo grupo para uma oficina de plantio no jardim do CCIK.

Na oficina de artesanato sustentável, Geiza mostrou aos participantes como criar suas próprias cestas com materiais reciclados: usando revistas enroladas e páginas de jornais, Geiza prendeu os tubos de papel cuidadosamente preparados a uma base de papelão usando cola. Os tubos foram então colocados um a um de cada lado, entrelaçados para criar um cesto quadrado em espiral. Os produtos finais foram cestas bonitas e robustas, de vários tamanhos. Geiza explicou que as cestas são um dos muitos produtos que ela incentiva as participantes do seu grupo de Empoderamento da Mulher a vender em mercados e feiras locais.

Os participantes também tiveram a chance de trocar ideias sobre como reduzir o lixo diário. Geiza explicou maneiras pelas quais os moradores podem não apenas reduzir o lixo e o consumo de plásticos descartáveis, mas também economizar dinheiro usando artesanato caseiro para eventos como festas de aniversário infantil. Geiza desfez o mito de que é “mais fácil” simplesmente comprar toda uma carga de materiais descartáveis ​​para esses eventos.

No escopo do o tema responsabilidade ambiental e sustentabilidade, a conversa passou para a importância do reflorestamento, trabalho defendido pelos Agentes Ambientais de Vila Kennedy. Geiza destacou os benefícios do reflorestamento, como barreiras naturais anti-inundação e na melhoria da qualidade do ar, apontando como referência o reflorestamento bem-sucedido que ocorreu na favela de Babilônia em 1995, que levou a uma melhoria notável na qualidade do ar uma década depois. Na verdade, foi devido aos projetos de reflorestamento que surgiram as oficinas de artesanato. Algumas áreas a serem reflorestadas estavam cheias de lixo, então os Agentes Ambientais começaram conversando com os moradores e analisando o conteúdo do lixo. Eles perceberam que grande parte do lixo era resultado de jornais e revistas descartados e desenvolveram um destino alternativo para esse material: artesanato que os moradores poderiam vender e gerar renda.

Do lado de fora, na horta do CCIK, Nair Romão, uma Agente Ambiental, conduziu os participantes para uma oficina de jardinagem. Enquanto o grupo se reunia, pronto para por as mãos na massa, Nair deu conselhos sobre como preparar e regar o solo. Coletivamente, o grupo plantou espinafre e coentro, e alguns moradores levaram sementes para plantar em casa. Existem planos futuros para que um jardim suspenso seja feito com garrafas plásticas recicladas.


Autocuidado e Saúde Mental

Para a sessão do final do dia, os participantes se reuniram novamente em círculo, desta vez para discutir cuidados pessoais e saúde mental. Theresa Williamson começou, distribuindo post-its e grossas canetas hidrocor, solicitando que os participantes escrevessem os temas, pensamentos ou sentimentos que mais lhes davam ansiedade. À medida que as respostas foram coletadas e lidas individualmente, os participantes foram solicitados a levantar as mãos se também sentissem ou tivessem ansiedade nas várias situações. Muitas mãos foram levantadas para temas relacionados a dinheiro e emprego. Em seguida, a roda de conversa se abriu em uma discussão franca, na qual os participantes estavam livres para compartilhar experiências ou dar conselhos. Eles exploraram o que significa ter problemas financeiros para as pessoas da comunidade e como o sistema econômico em que vivemos causa uma necessidade de dinheiro que às vezes é dissociado da busca pela qualidade de vida.

Aline Barcellos da Cruz, do Ecomuseu Sepetiba, localizado na Zona Oeste do Rio, liderou o grupo em uma atividade interativa envolvendo balões e música. Cada participante tinha seu próprio balão e foi solicitado mantê-lo no ar, alternando de mão em mão. Aline explicou que os balões representavam a vida e as responsabilidades de cada indivíduo e os desafios de manter o equilíbrio. Todos foram incentivados a pensar em como ajudar os outros com suas vidas e responsabilidades, e como, manter nosso próprio equilíbrio e respeitar nossos próprios limites, e sermos capazes de ajudar os outros. Voltando ao círculo quando o exercício terminou, Marcella Vieira, do programa ReciclAção no Morro dos Prazeres, mencionou a prática da Comunicação Não-Violenta como um meio de autocuidado, e outros também enfatizaram como a autoconsciência e a comunicação interpessoal são a chave para o bem-estar.

A sessão de autocuidado terminou com uma sessão de meditação guiada por Adam Newman, nascido nos EUA. Adam, criador do Favela Inc., mudou-se para o Rio há sete anos e vive na favela do Vidigal há cinco anos. Ele explicou que se mudou para o Rio por amor à cultura, mas também em busca de uma vida mais simples e equilibrada. Adam convidou o grupo a compartilhar suas prioridades de vida, um por um. À medida que respostas como amor, serviço e família se repetiam pela sala, os participantes foram incentivados a pensar em encontrar equilíbrio e descobrir-se no caminho para alcançar essas prioridades. A atividade terminou com uma sessão de meditação guiada, em seis etapas. No encerramento da sessão, os participantes se levantaram, deram as mãos eem homenagem ao dia inspirador que tiverame compartilharam sua gratidão a comunidade Vila Kennedy, pelo belo final do dia.

Ainda há tempo para participar do intercâmbio final da Rede de Favela Sustentável de 2019! A quinta e última intercâmbio do ano ocorrerá neste domingo, 29 de setembro, em Manguinhos, concebido com as organizações membros da Rede, Atelier do Hadasha e Teto Verde Favela. Inscreva-se aqui ou entre em contato com a rede pelo e-mail rede@favelasustentavel.org para saber mais.

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