Seminário Nacional do TTC: Gestão Coletiva da Propriedade, Garantia de Permanência, Experiências Mundo Afora, Potencialidades e Desafios

Dia 1: 22 de junho

No dia 22 de junho, aconteceu o primeiro dia do Seminário Nacional do Termo Territorial Coletivo, organizado pela equipe do projeto Termo Territorial Coletivo (TTC). O evento reuniu virtualmente inscritos de 26 estados e do Distrito Federal, entre os dias 22 e 24 de junho, em uma série de lives com uma duração total de sete horas e meia. Como principal proposta, o Seminário convidou os participantes à reflexão sobre a importância da formalização da moradia e a discutir o arcabouço jurídico nacional quando se trata do direito à habitação.

Arte do Seminário Nacional do Termo Territorial Coletivo, entre 22 e 24 de Junho de 2021, realizado pela Comunidades Catalisadoras (ComCat).Entre os mais de 250 presentes e mais de 600 inscritos, estavam moradores e lideranças comunitárias, pesquisadores e estudantes do tema, e representantes de órgãos públicos e sociedade civil de todos os estados do Brasil. Conduzido por Tarcyla Fidalgo, coordenadora do Projeto Termo Territorial Coletivo; Felipe Litsek, assistente do Projeto; e Theresa Williamson, diretora executiva da Comunidades Catalisadoras (ComCat), organização gestora do Projeto, o evento começou com uma breve fala de Felipe, dando boas vindas aos participantes, com um agradecimento especial aos parceiros: Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), Fundo FICA, World Habitat, Center for CLT Innovation. Felipe resumiu em poucas palavras a motivação do evento: “É um instrumento novo no Brasil o objetivo é tratar o direito à moradia e a situação fundiária”.

Em seguida, Theresa traçou um cenário geral do direito à moradia e a importância da segurança da posse e do fortalecimento comunitário para evitar remoções e gentrificação. Através do conhecimento de outros TTCs internacionais, principalmente o de Porto Rico, onde nove favelas têm implementado esse instrumento com grande sucesso, Theresa lembrou aos presentes que “a situação dos assentamentos informais é uma realidade global, não só do Brasil. 85% da habitação construída no mundo é ‘ilegal’. Até 2050 quase um terço (33%) de toda a humanidade vai viver em assentamentos informais. A gente está introduzindo esse debate entendendo que a gente tem uma escolha. Podemos continuar vendo assentamentos informais como um problema ou podemos entender que eles fazem parte da realidade urbana do mundo e pensar em soluções.” 

Theresa ainda apresentou a Pirâmide de Maslow—ou “Hierarquia de Necessidades”—para lembrar que o direito à moradia não é um luxo, mas sim uma necessidade básica. Citou também a “Regra dos 20%”—de pessoas sem acesso ao mercado imobiliário em qualquer cidade do mundo. “Contextualizando o direito à moradia no Brasil, existem hoje 8 milhões de domicílios vazios e 222.000 pessoas em situação de rua. Poderíamos também ver as favelas como uma solução coletiva.”

Pirâmide de Maslow

Depois destas intervenções, o público foi separado durante 15 minutos em grupos facilitados por voluntários do Projeto TTC e membros da ComCat para refletirem sobre o porquê de formalizar os imóveis que servem de moradia para a população mais pobre em assentamentos informais e quais as possíveis razões para resistências à regularização fundiária.

De volta à plenária, Tarcyla compartilhou alguns dos sentimentos e percepções que os participantes externaram durante as sessões dos grupos. Ela disse que, por um lado, alguns acreditavam que, através da regularização, seria garantido um maior acesso a serviços públicos e à urbanização, empoderando a comunidade, mas que, por outro, achavam este um processo difícil graças à violência urbana, ao tráfico e às milícias e que poderia levar a um aumento do custo de vida dos moradores.

Tarcyla Fidalgo fala de Legimitação Fundiária no Seminário Nacional do Termo Territorial Coletivo. Print do Zoom por Eduardo Antunez Rolle

Para discutir mais a fundo a questão da regularização fundiária, Tarcyla apresentou as possibilidades de regularização implementadas atualmente no Brasil e suas principais características: as concessões de uso—Concessão de Uso Especial para fins de moradia (CUEM) e a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU)—, a usucapião urbana individual, usucapião urbana coletiva, e a legitimação fundiária. Após esta breve explicação, ela chamou os grupos para uma nova separação, para discutir os pontos positivos e negativos de cada uma das opções de formalização mais frequentes no Brasil.

Tarcyla Fidalgo propõe um reflexão sobre os pontos positivos e negativos das opções de formalização de terras no Brasil. Print do Zoom por Eduardo Antunez Rolle

Durante essa dinâmica, uma fala da Jurema Constâncio, coordenadora da União Nacional por Moradia Popular e moradora de Jacarepaguá, chamou bastante atenção sobre a dificuldade em regularizar seus territórios: “A gente acaba resgatando a história do passado. Meu pai plantava um pé de coqueiro e na ponta ele colocava um pedaço de alumínio com a data na qual ele plantou o coqueiro. Como a gente não tinha forma de comprovar esse território e a posse dele, essa era a forma de poder manter. A gente está entrando nesse processo tentando transformar esse espaço numa propriedade coletiva”

Na volta à sala principal, Tarcyla fez questão de mencionar alguns comentários de participantes: eles disseram se preocupar com a importância de ter um título, com a exclusão social dos moradores e em garantir a segurança da posse de seus territórios. Os mesmos fatores que levaram a equipe a olhar para outros países onde existem modelos que dão conta da posse do título e da garantia da permanência no território com um terceiro fator muito importante: colocar os moradores como protagonistas dos seus territórios e de sua moradia. Foi assim que surgiu o Termo Territorial Coletivo, como se pode ver neste vídeo de apresentação do projeto:

O TTC é um modelo de gestão coletiva da propriedade ainda não existente no Brasil que nasceu do movimento negro em luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, há mais de 50 anos. Através deste modelo, se busca proteger o direito à moradia dos que são mais atingidos pela especulação imobiliária e pela gentrificaçãoPara estabelecer um TTC os moradores criam uma organização local, uma pessoa jurídica, sem fins lucrativos e gerida de forma coletiva por eles e seus apoiadores. “Ele [o TTC] não é uma solução imediata dando automaticamente um título, porque isso acaba fazendo com que as pessoas mais pobres acabem sendo assediadas pelo mercado imobiliário”, adicionou Tarcyla.

Tarcyla apresenta o que é o Termo Territorial Coletivo. Print do Zoom por Eduardo Antunez Rolle

O que une todas as experiências de obtenção de terra pelo TTC mundo afora são cinco principais características:

  1. Adesão espontânea (ninguém é obrigado a entrar no TTC);
  2. Terra de propriedade coletiva (por meio de uma pessoa jurídica composta pelos moradores que precisam estar mobilizados);
  3. Construções de propriedade individual (recebem título de superfície: podem alugar, vender, deixar de herança, desde que tudo dentro dos limites estabelecidos com liberdade pelo TTC);
  4. Gestão coletiva de propriedade comum (pessoa jurídica administrada por um conselho- normalmente constituído de forma tripartite);
  5. Acessibilidade econômica permanente (garantir moradias permanentes acessíveis).

O projeto no Rio começou com uma série de oficinas em agosto de 2018 organizadas em parceria com várias instituições ligadas à proteção da moradia, quando se formou um grupo de trabalho do TTC. Após essas oficinas, a equipe começou a pensar em quais comunidades da cidade poderiam realizar os projetos piloto

Participantes do primeiro dia do Seminário Nacional do Termo Territorial Coletivo. Print do Zoom

Depois da apresentação do TTC enquanto modelo fundiário e do histórico do projeto facilitado pela ComCat, nestes primeiros anos no Brasil, os participantes ficaram muito curiosos com a ideia de gestão coletiva da propriedade. Muitos nunca haviam ouvido sobre esta possibilidade antes, precisamente pelo fato de que não é uma política imposta aos moradores pelo Estado, mas uma escolha pela liberdade coletiva, através da propriedade coletiva da terra.

Tarcyla deu encerramento convidando todos para os próximos dois dias do Seminário Nacional do Termo Territorial Coletivo. Ela também incentivou os participantes a mandarem quaisquer dúvidas através de um formulário disponibilizado pela equipe do TTC, visando oferecer uma experiência mais interativa e dinâmica. E ponderou: “Parece que o TTC formaliza assim como o título de propriedade individual. Mas essa titulação não é uma ameaça de remoção ou de aumento do custo de vida, e sim de fato uma proteção à permanência dessa comunidade”.

Esta é a primeira de duas matérias cobrindo o Seminário Nacional do Termo Territorial Coletivo. Leia a segunda parte aqui.

Assista ao Primeiro Dia do Seminário Nacional do TTC Aqui:

Dias 2 e 3: 23-24 de junho

Dando continuidade ao Seminário Nacional do Termo Territorial Coletivo (TTC), facilitado pela Comunidades Catalisadoras (ComCat), as sessões online do segundo e terceiro dias—23 e 24 de junho—trouxeram o contexto histórico da criação do TTC como modalidade de propriedade coletiva e de garantia de permanência de comunidades vulnerabilizadas. A partir de uma análise das experiências internacionais do Termo Territorial Coletivo, foram analisadas as estruturas típicas de qualquer TTC para que, então, os participantes discutissem suas potencialidades, desafios e aplicabilidade às favelas brasileiras.

Seminário Nacional do TTC. Print dos Participantes do Segundo Dia do Seminário.

Para estas discussões, o evento contou com a presença de Theresa Williamson, diretora executiva da ComCat, e Tarcyla Fidalgo, coordenadora do Projeto TTC, além de quatro lideranças comunitárias do Rio de Janeiro: Paulo Roberto da Silva Machado e Ailton Lopes, representantes da Associação de Moradores da comunidade Trapicheiros, na Tijuca; Neide Mattos, do Conjunto Esperança, na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá; e Maria da Penha Macena, moradora da Vila Autódromo, na Barra da Tijuca. Além desses, participaram representantes de TTCs do Caribe e norte-americanos por meio de vídeos encaminhados especialmente para o seminário.

Exemplos de TTCs Pelo Mundo

TTC New Communities. Foto por Dawn Makarios

Iniciando sua fala, Theresa contou que o primeiro TTC surgiu há mais de 50 anos a partir de articulações do Movimento Negro Norte-Americano em um contexto histórico de luta por moradia e terra nos Estados Unidos, que faz parte da luta pelos direitos civis. Esse primeiro TTC chama-se New Communities e se localiza em Albany, Geórgia. Sendo um TTC rural, foi fundado pela comunidade que, coletivamente, adquiriu 3000 acres (12 milhões de m²) de terras agrícolas e 2000 acres (8 milhões de m²) de bosque. Na época, era a maior terra possuída por afro-americanos nos Estados Unidos.

Dudley Street Neighborhood Initiative enfrentou desafios, mas ainda é um exemplo para o mundo em direito à moradia, ao lazer, à cultura e à alimentação. Foto do site do TTC Dudley Street.O TCC Dudley Neighbors Initiative, em Boston, Massachusetts, é outro exemplo marcante dos EUA analisado no Seminário. Fundado em 1988 por uma organização comunitária diversificada, organizou a construção de casas e desenvolveu projetos para o bairro. Dudley Street Neighborhood Initiative enfrentou barreiras legais e a desconfiança política, contudo prosperou e ainda hoje é um exemplo que mostra o potencial do TTC para estimular o desenvolvimento comunitário não só como moradia, mas como lazer, cultura e alimentação.

É importante ressaltar que, atualmente, o modelo do TTC é consagrado mundialmente. Foi incluído na Nova Agenda Urbana de 2017, que traz o TTC como um dos instrumentos que deve ser privilegiado e encorajado pelos Estados membros da ONU, e já presente em diversos países de todos os continentes. Houve a migração deste modelo para outras cidades dos EUA, com mais de 280 TTCs; para a Europa, com 300 no Reino Unido; 8 na Bélgica; 20 na França e recentemente um na Alemanha; para o Canadá com 24 e para a Austrália com três. No Sul Global, já se vêem exemplos florescendo em Porto Rico, Bolívia, Quênia e Bangladesh.

“O nosso caso [brasileiro] tem como modelo Porto Rico, onde um conjunto de oito favelas existentes resolveu fazer um retrofit utilizando este modelo americano. Importante destacar que nos EUA, os TTCs têm se mostrado a mais robusta solução habitacional, garantindo a permanência de seus moradores tanto em períodos de recessão econômica, que tipicamente geram remoções por lá, pela execução hipotecárias, quanto no auge do mercado, quando há risco de gentrificação pelo fortalecimento da especulação imobiliária. Para nós aqui no Rio, nas Olimpíadas, vimos tanto remoções quanto gentrificação acontecendo nas favelas”, disse Theresa. 

O TTC Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña, em Porto Rico, é o mais próximo da realidade brasileira. Ele foi construído por moradores ao longo dos últimos quase 20 anos, vindos das oito comunidades nas margens do canal Martín Peña, em San Juan, totalizando mais de 2000 moradores de favela que adotaram o modelo de gestão coletiva da terra legalizada.

Grafite "...e pela primeira [nós] os moradores fomos atores de nosso futuro", em um muro em uma das 8 comunidades do TTC Caño Martín Peña.

O direito de superfície foi usado como instrumento para separar a terra das construções e assim não permitir a venda da terra sob pressão da especulação imobiliária e da gentrificação, retirando-a do mercado. Enquanto isso, outros desafios ainda permanecem nestas favelas de San Juan: são frequentes as inundações causadas pelo canal vizinho às comunidades do Fideicomiso Caño Martín Peña e as tempestades e furacões que atingem Porto Rico anualmente, como Irma e Maria, devastam as comunidades. Porém, organizadas, legalizadas e unidas, com redes de apoio tanto internas quanto junto à outros TTCs pelo mundo, as comunidades do Caño Martín Peña têm sido muito mais capazes de lidar com estes outros desafios, também, graças à terem se organizado quanto TTC.

O sucesso desse TTC mostra a força do modelo para favelas e outros assentamentos informais mundo afora, garantindo a permanência e a segurança das propriedades dos moradores frente ao poder econômico enquanto simultaneamente garantindo que os próprios moradores definem seus rumos e desenvolvimento. Por serem donos coletivos da terra, têm um maior poder de barganha junto à prefeitura, por serem grandes proprietários de terra no centro da cidade. “[O TTC Martín Peña] faz com que os moradores sejam donos da própria terra, além de permitir que tenham muito mais força junto à prefeitura”, afirmou Theresa. 

Experiências de TTCs no Sul Global

Seguindo para a África, Tarcyla apresentou o TTC Tanzania-Bondeni, no Quênia. Trata-se de um assentamento, originalmente informal, onde viviam cerca de 3000 pessoas há mais de 30 anos numa situação de pobreza extrema e com falta de acesso a recursos básicos como saúde, água e energia. Ao ser implantado, o TTC passou por desafios tais quais entraves legislativos e questões internas como muitos descumprimentos às regras, problemas com representatividade e desconfiança.

“A experiência do Quênia nos mostra que não basta instaurar um TTC, é necessário um movimento comunitário maduro e garantir mecanismos efetivos de gestão coletiva. Mas apesar disso, o TTC teve um papel importante na ampliação dos serviços públicos e na proteção contra as remoções”, disse Tarcyla.

TTC Tanzania-Bondeni, no Quênia.

Dentre os TTCs na Europa, o CLTB (Community Land Trust Bruxelles), o TTC de Bruxelas, na Bélgica, foi um exemplo analisado. Ele surgiu com a crise de moradia em Bruxelas nos anos 2000, porém só foi formalizado oficialmente em 2012, e teve apoio do poder público para sua criaçãoespecialmente com a concessão de empréstimos para a aquisição da terra e assessoria técnica.

Um dos principais desafios deste TTC é que permanece dependente de investimentos públicos para a manutenção das propriedades. Com amplo suporte financeiro do fundo de Habitação Europeia Sustentável para Cidades Inclusivas e Coesas (SHICC), bem como da Prefeitura de Bruxelasque se comprometeu a financiar as operações do CLTB, subsidiar investimentos para aquisição de terras e para as construçõeso TTC de Bruxelas tem se mantido e expandido. A União Europeia também se comprometeu a financiar projetos específicos do CLTB, como o projeto Cuidar e Viver em Comunidades (CALICO), que planeja construir 34 unidades habitacionais na área florestal de Bruxelas, com um subsídio de €5 milhões (cerca de R$23 milhões).

Por conta desta necessidade por aporte financeiro público, o CLTB está vulnerável a mudanças políticas, além do risco de burocratização e ingerência governamental. No entanto, apesar dos desafios, o TTC de Bruxelas marcou a introdução do modelo na Europa continental, permitindo que diversas outras iniciativas surgissem posteriormente.

Verheyden / Le Nid, 'O Ninho', um projeto para unidades habitacionais de 7 apartamentos, em Bruxelas, incluindo espaços comuns, acessibilidade para pessoas com deficiência, jardins e escritórios para organizações sem fins lucrativos. Imagem: Website do CLT Brussels

Outro momento marcante das noites do Seminário foi quando foram compartilhadas algumas mensagens de parceiros das experiências internacionais dos TTCs. John Emmeus Davis, ativista pelos Termos Territoriais Coletivos há 40 anos, disse por vídeo: “Estou impressionado pelo seu trabalho no Brasil, parabenizo vocês e espero que vocês sigam firmes e façam acontecer! Outros nomes de peso como Mario Nuñes, de Porto Rico, e Tom Angotti, de Nova Iorque, também deixaram seus depoimentos e palavras de apoio.

Estrutura do Termo Territorial Coletivo

Após os exemplos internacionais do TTC, Tarcyla explicou a estrutura do modelo do Termo Territorial Coletivo, a fim de informar os ouvintes sobre como seria seu funcionamento na prática. Ela explicou que cada TTC é diferente do outro, pois leva em conta as necessidades de cada local e de seus moradores. “O TTC é um modelo de Community Land Trust adequado às especificidades brasileiras, sobretudo no aspecto jurídico. Ele pretende garantir a segurança da posse de populações vulnerabilizadas em caráter duradouro. Resumindo, o TTC é um modelo de organização e gestão coletiva do território que combina a liberdade individual com a força da coletividade.” Logo, o objetivo de qualquer TTC é retirar a terra do mercado imobiliário e fortalecer a mobilização comunitária, garantindo moradia acessível e a permanência das comunidades em seus territórios, junto com o desenvolvimento pautado pelos moradores.

Sobre a estrutura do TTC, o primeiro ponto seria a criação da pessoa jurídica. Ela é criada a partir da mobilização dos moradores e gerida por eles. Ela será a proprietária formal dos terrenos. O segundo ponto é a separação da terra e das casas, em que a terra será de propriedade da pessoa jurídica criada e gerida pelos moradores, e as casas serão de seus respectivos moradores, utilizando-se o instrumento do “direito de superfície”, já presente no ordenamento jurídico brasileiro.

O último ponto desta estrutura é de fato a implementação do TTC e “o ideal é que o TTC aconteça junto com um processo de regularização fundiária. Que haja um regramento interno definido pelos moradores, registrado em cartório e também a realização de um planejamento territorial comunitário, invertendo a lógica de cima para baixo utilizada pelo poder público… Ao se comparar a compra tradicional e a do Termo Territorial Coletivo, na primeira temos que o comprador é o dono da casa e da terra debaixo dela. Enquanto no TTC ele próprio, o TTC, é o dono da terra e a casa pertence ao morador”, disse Tarcyla, que finaliza: “A partir do que estudamos, o potencial do TTC para as favelas é muito grande.”

Principais diferenças entre uma compra tradicional e o Termo Territorial Coletivo.

Desafios à Implementação do TTC no Brasil

Um principal desafio à implementação do TTC é a questão do individualismo, que faz com que as pessoas só pensem no seu próprio imóvel, como uma propriedade privada individual, e não tenham a sensibilidade para perceber o poder da mobilização coletiva na garantia da permanência. Tarcyla frisou que realmente é um desafio, mas que na experiência do Projeto TTC no Rio, já há bons resultados no sentido de vencer essa lógica individualista. Também foi ressaltado como desafio a forma de disseminar o modelo para os moradores, por ser um modelo complexo. No entanto, disse Tarcyla, “não é por isso que a gente deve deixar [o TTC] de lado por uma solução mais simples. Temos que buscar a melhor solução para as comunidades”.

Desafios que os participantes citaram nas sessões em grupo. Print do Zoom.

Também foi citada a desconfiança por ser um modelo internacional e não brasileiro, ao que Tarcyla respondeu: “É importante dizer que o TTC está em muitos países, em todos os lugares do mundo, ele não é uma solução americana ou inglesa, é uma solução internacional, que está vindo para cá também. O TTC é um modelo de gestão coletiva, bem sucedido há décadas, em muitos lugares do mundo”. Além disso, o TTC foi desenvolvido pelo movimento negro norte-americano, com base em numerosas experiências internacionais estudadas previamente por seus fundadores.

Foram ressaltadas também a dificuldade de mobilização nos últimos anos, sobretudo desde que começou a pandemia. “É difícil manter a atenção dos moradores, quando eles já têm muito com o que se preocupar. Mas repito, isso é um momento, as coisas vão melhorar”, disse ao público, Tarcyla. Assim como a difícil mobilização comunitária, há a demora dos processos de regularização, mas “nisso, o TTC também auxilia, porque ajuda a pressionar o poder público. Por isso, a mobilização [pelo TTC] e a regularização devem acontecer simultaneamente, para na frente os dois se encontrarem e a comunidade já estar forte o suficiente”, explicou Tarcyla.

Alguns participantes externalizaram a preocupação de que os grupos armados que dominam alguns territórios do Rio não respeitarão TTCs em favelas e sua gestão coletiva da terra. Em relação à possibilidade de conflitos com milícias e o tráfico, Tarcyla disse que “não há resposta pronta, mas acredito muito que o fortalecimento comunitário tende a reduzir o espaço desses grupos”.

Passando às potencialidades, foram inúmeras as citadas: a participação popular, a mitigação da gentrificação, a garantia da propriedade, ser um empreendimento coletivo, o desenvolvimento pleno da comunidade liderada por ela, a inovação que concretiza direitos constitucionais, a construção de redes entre os TTCs, a possibilidade de grupos de apoio, a facilitação do diálogo com o poder público, a criação de uma identidade coletiva, a versatilidade do modelo, o protagonismo dos moradores, entre outras.

Mobilizadores de Favelas Cariocas Interessadas no Modelo

Moradores de favelas e de territórios que estão começando a trabalhar para a construção de TTCs falaram de suas lutas e experiências. Ailton Lopes da comunidade Trapicheiros na Tijuca iniciou as falas dizendo que foi emocionante conhecer o TTC, quando teve o primeiro contato em 2018. “Desde 2010, nossa comunidade vem sofrendo ameaças de remoção, e o TTC se encaixou perfeitamente no nosso caso. Fizemos muitas oficinas com a comunidade para mostrar o que é o TTC. No meu entendimento, o TTC é uma forma de blindar a comunidade das remoções. É sensacional”.

Casa da comunidade à esquerda e condomínio à direita.

Paulo Roberto da Silva Machado, também da centenária comunidade Trapicheiros, na Zona Norte, complementou contando sua experiência ao visitar o TTC de Porto Rico: “Pude conhecer o TTC Caño Martín Peña. É uma comunidade que tem uma história incrível. A harmonia com que trabalham é linda de ver. Acredito que, num futuro próximo, veremos isso aqui no Brasil. A luta não vai parar, não podemos desistir”.

Conjunto Esperança, na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Foto por Neide Mattos

Em seguida, Neide Mattos falou de sua vivência no Conjunto Esperança, na Zona Oeste, cujos moradores vêm há anos lutando pela permanência em suas terras, após construir a comunidade de forma coletiva através do programa Minha Casa Minha Vida-Entidades. “Reivindicamos há dez anos a terra na nossa comunidade… ainda precisamos nos organizar muito. O TTC vem para somar. Já temos a estruturação, mas ainda precisamos formalizar. É um prazer estar falando aqui para o Brasil inteiro. Espero que vocês possam se organizar pelo país. As pessoas precisam de moradia”. 

“Se tivéssemos o TTC, nossa comunidade não teria sido removida”, diz Maria da Penha. Entrada da Vila Autódromo, ao lado do Parque Olímpico. Foto: Página do Facebook da Vila Autódromo.

“Se tivéssemos o TTC, nossa comunidade não teria sido removida”, diz Maria da Penha. Foto: Entrada da Vila Autódromo, ao lado do Parque Olímpico (Facebook da Vila Autódromo).

Em um depoimento emocionante, que trouxe inspiração aos presentes, Maria da Penha Macena contou a luta pela permanência dos moradores da Vila Autódromo, também na Zona Oeste, além de sua experiência de intercâmbio visitando o TTC Cooper Square em Nova Iorque. “Eu tive a oportunidade de conhecer em Nova Iorque um TTC e foi muito bom ver a experiência de outro país. Queria reafirmar como é importante o TTC no nosso país, para garantir as nossas terras. Na Vila Autódromo, sempre fomos ameaçados de remoção e com os megaeventos, nas Olimpíadas de 2016, a gente acabou tendo removida quase toda a comunidade. Atualmente somos só 20 famílias. Se tivéssemos o TTC [na época], nossa comunidade não teria sido removida.”

Para maiores informações ou para fazer parte do projeto TTC, visite o site www.termoterritorialcoletivo.org.

Esta é a segunda matéria de duas matérias cobrindo o Seminário Nacional do Termo Territorial Coletivo. Leia a primeira parte aqui.

Assista ao Segundo Dia do Seminário Nacional do TTC Aqui:

Assista ao Terceiro Dia do Seminário Nacional do TTC Aqui: